O respeitável dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define terrorismo como o “modo de impor a vontade pelo uso sistemático de terror”.
A vontade de obter lucros excessivos com a atividade de mineração no Brasil - de forma predatória, acelerada e descontrolada, arrancando da Terra o máximo de minerais possível, no menor tempo e ao menor custo – tem significado a imposição sistemática de terror à população e ao meio ambiente.
Os únicos beneficiários desse terrorismo têm sido os donos das grandes mineradoras nacionais e estrangeiras que atuam no Brasil. Além de obterem lucros bilionários com a venda do minério, utilizarem água à vontade e de graça, ainda usufruem de diversos benefícios tributários, como incentivos fiscais à exportação, isenção na distribuição de lucros e isenção para a remessa de tais lucros ao exterior.
As vítimas do terrorismo têm sido: toda a população atingida em seu direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, e a própria Natureza, que além de mutilada sem o menor respeito ainda recebe toneladas de rejeitos contaminados. A dívida ecológica que tem sido gerada por esses processos é incalculável.
A Constituição Federal considera, em seu artigo 5o, inciso XLIII, que todas as pessoas possuem a garantia de inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
A questão ambiental, por sua importância essencial à própria vida, está resguardada no Capítulo VI da nossa Constituição Federal: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
A violação do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade dos atingidos pela recente tragédia em Minas Gerais é brutal; pode ser considerado como uma verdadeira chacina ao meio ambiente e à população de diversas cidades, e foi provocada pela vontade exacerbada de lucros, levada à ganância alimentada por predatória e inconsequente exploração do minério de ferro.
Trata-se, portanto, de um direito que perpassa todas as esferas: além de ser um direito individual e coletivo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito transgeracional, pois abrange as gerações futuras. Os parágrafos e incisos do referido artigo 225 exigem atuação firme do Estado e lhe impõe deveres, assim como a reparação dos danos por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, independentemente de culpa, conforme o disposto em seu § 3º e na Lei 6.938, sobre a Política Nacional de Meio Ambiente.
A violação do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade dos atingidos pela recente tragédia em Minas Gerais é brutal; pode ser considerado como uma verdadeira chacina ao meio ambiente e à população de diversas cidades, e foi provocada pela vontade exacerbada de lucros, levada à ganância alimentada por predatória e inconsequente exploração do minério de ferro.
Tal violação ocorre em inúmeras outras áreas de exploração mineral predatória no Brasil, o país de maior estoque natural do planeta. O presente artigo visa ilustrar a ocorrência de terrorismo ambiental em três exemplos de exploração de minério de ferro, nióbio e ouro, e levantar a necessidade de avançar os estudos sobre a “Dívida Ecológica”, especialmente diante da iminência de votação de novo Código de Mineração no Congresso Nacional. É preciso exigir reparação de danos à altura e corrigir os rumos.
Minério de Ferro - Toneladas de dejetos de mineração foram derramados em Minas Gerais, devido ao rompimento de duas barragens da empresa Samarco em Mariana.Tal fato atingiu dezenas de vítimas humanas, incluindo jovens e crianças inocentes; o distrito de Bento Rodrigues ficou soterrado; dezenas de outros municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo atingidos ficarão sem acesso a água, comprometendo uma série de empreendimentos, atividades profissionais e vitais, com reflexos diretos na vida de milhões de pessoas; o Rio Doce morto, completamente contaminado, e todos os peixes exterminados, além do aniquilamento de inúmeras espécies quando a poluição atingir também o Oceano Atlântico...
É evidente a violação do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade de pessoas atingidas, aterrorizadas ante o cenário de destruição e contaminação a que foram submetidas de assalto.
Quanto vale as vidas de pessoas, peixes e animais mortos? Quanto vale o Rio Doce? Qual o valor do dano em decorrência da falta de água e comprometimento de tantas atividades? É necessário calcular e cobrar a Dívida Ecológica dessa gente que só entende o valor das coisas quando lhes é atribuído um preço em dinheiro!
Fotos de satélite, tiradas antes e depois do ocorrido, mostram outra perspectiva visual do imenso dano ambiental e patrimonial provocado pela Samarco, de propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton. Só em 2014 o faturamento bruto divulgado pela empresa foi de R$ 7,6 bilhões!
Essas fotos mostram o soterramento da maior parte das propriedades de Bento Rodrigues. Além disso, a lama despejada seguiu contaminando as águas do até então belo e rico Rio Doce. A presença de partículas de metais pesados como chumbo, alumínio, ferro, bário, cobre, boro e até mesmo mercúrio foi comprovada por análises laboratoriais de amostras da água do Rio Doce encomendadas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu. Todas as espécies vivas do Rio Doce foram dizimadas!
Não podemos aceitar a desculpa de que teria havido mero acidente. É evidente que houve negligência, diante do imenso volume de dejetos acumulados, capazes de soterrar município e alagar dezenas de outros, matar um rio inteiro, dizimar todas as espécies vivas, e se espalhar ao longo de dois estados e alcançar o oceano, que também será afetado. E ainda há ameaça de que outra barragem ainda maior corre o risco de romper...
Nióbio - Outro escândalo da exploração mineral em Minas Gerais, justamente na cidade que se tornou famosa por suas águas curativas – Araxá – também deve ser considerado como terrorismo ambiental: trata-se da exploração do Nióbio pela empresa CMMB, conforme reportagem que denuncia a contaminação das águas na região, baseada em Nota Técnica número 1 da Fundação Estadual do Meio Ambiente -(FEAM) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), de julho de 2015.
A referida Nota Técnica aponta que a concentração de metais pesados está seis vezes acima do permitido, e que a causa da contaminação da água se encontra na exploração de nióbio pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM, que não respeita normas e legislação.
Adicionalmente, indica uma série de falhas nos relatórios e mapas da CBMM, bem como no monitoramento inadequado e não suficiente; a existência de
Não podemos aceitar a desculpa de que teria havido mero acidente. É evidente que houve negligência, diante do imenso volume de dejetos acumulados, capazes de soterrar município e alagar dezenas de outros, matar um rio inteiro, dizimar todas as espécies vivas, e se espalhar ao longo de dois estados e alcançar o oceano, que também será afetado.
pendências da empresa em relação à pedidos da FEAM, ressaltando ainda que não são atendidas normas exigidas pela ABNT.
Segundo a reportagem, a contaminação afeta águas subterrâneas e superficiais, além do solo e subsolo, e estudos apontam níveis altíssimos de contaminação não apenas com bário, mas também com outros metais, em doses elevadas para o consumo humano, como cromo, chumbo, vanádio e urânio, detectado em níveis altíssimos em algumas amostras.
O nióbio é mineral valiosíssimo, raro, estratégico, uma liga especial altamente resistente a elevadíssimas temperaturas, indispensável para aeronaves, satélites, foguetes, equipamentos médicos diversos, entre outros usos especiais como indústrias nucleares por exemplo.
O Canadá possui apenas 2% das reservas de nióbio do mundo e garante serviços públicos de saúde, educação de excelente qualidade à sua população. O Brasil detém 98%! E explora mal, principalmente pela empresa CMMB de Minas Gerais, contaminando o meio ambiente, e comercializa de forma totalmente opaca. Não usufruímos do benefício dessa imensa riqueza, arcando somente com os danos ambientais, com graves reflexos à vida das pessoas afetadas, contraindo uma série de doenças principalmente em decorrência da água contaminada pela CMMB.
Ouro - A histórica exploração do ouro no Brasil preencheria livros de crimes ambientais e danos patrimoniais, humanos, ecológicos etc. Nesse artigo mencionarei apenas o recente caso de Volta Grande, onde está sendo construída a Usina de Belo Monte.
As fotos da série “A devastação do Xingu em imagens” evidenciam a violação do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade de pessoas atingidas pela construção da usina. Mostram uma das ilhas do Xingú desmatada e queimada para o enchimento do lago de Belo Monte e um dos buracos artificiais. Do qual foi arrancada toda a vegetação e grande quantidade de minerais...
Diversas populações indígenas foram atingidas, em situação de verdadeiro terrorismo. Fortes protestos foram insuficientes para barrar os grandes interesses dos que desejavam a usina. O Ministério Público tentou embargar a obra diversas vezes, mas as obras prosseguiram, aceleradamente.
A escolha do local não apropriado para a construção da usina, onde imensas escavações tiveram que ser feitas, parece ter sido estratégico para interesses de mineradora estrangeira, conforme se depreende de seu site na internet: www.belosun.com
Dívida Ecológica
O conceito de Dívida Ecológica é pouco conhecido no Brasil, não por acaso. Importante contribuição nesse sentido foi publicada por Luiz Henrique Lima, que deixa clara a existência da dívida ecológica, apesar de ainda não calculada e quantificada, conforme trecho que transcrevo:
Entre outros autores, May (1995) aborda, rapidamente, o tema: “... deve haver um caixa para uma ‘dívida ambiental’ destinado às nações cuja base de recursos tem sido pilhadas através dos últimos cinco séculos para satisfazer às insaciáveis demandas do Norte.”
Todo o instrumental teórico da Economia do Meio Ambiente, da Economia Ecológica e da Contabilidade Ambiental conduz ao reconhecimento da existência da Dívida Ecológica. Haverá controvérsias quanto à sua amplitude e quanto aos procedimentos para calculá-la e resgatá-la, conforme acima exemplificado; não, porém, quanto à sua existência.
Em sua recente e corajosa Carta Encíclica “Laudato Si” o Papa Francisco menciona explicitamente a “Dívida Ecológica”gerada por fatos ligados à crescente destruição do meio ambiente, e relaciona tal pecado ao modelo econômico que cultua o deus mercado, com sua lógica de acumulação sem escrúpulos, a qualquer custo humano ou ecológico.
A desigualdade não afeta apenas os indivíduos, mas países inteiros, e obriga a pensar numa ética das relações internacionais. Com efeito, há uma verdadeira dívida ecológica, particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países. As exportações de algumas matérias-primas para satisfazer os mercados no Norte industrializado produziram danos locais, como, por exemplo, a contaminação com mercúrio na extração minerária do ouro ou com o dióxido de enxofre na do cobre.
O Papa Francisco relaciona a “Dívida Ecológica” à dívida financeira, que no caso do Brasil nunca foi auditada e funciona como um verdadeiro esquema que denominamos Sistema da Dívida:
A dívida externa dos países pobres transformou-se num instrumento de controle, mas não se dá o mesmo com a dívida ecológica. De várias maneiras os povos em vias de desenvolvimento, onde se encontram as reservas mais importantes da biosfera, continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do seu futuro.
O Papa Francisco refere-se à Natureza como “A Nossa Casa” e dedica capítulos específicos de sua Carta às questões da poluição e mudanças climáticas; água; perda da biodiversidade; deterioração da qualidade de vida humana e degradação social, e à desigualdade planetária, encadeando todos esses temas.
O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e a da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis do planeta: “Tanto a experiência comum da vida quotidiana como a investigação científica demonstram que os efeitos mais graves de todas as agressões ambientais recaem sobre as pessoas mais pobres”.
O Brasil é o país de maior estoque natural do planeta, conforme ressaltou Luiz Henrique Lima, em estudo elaborado para o ‘Global EnvironmentFacility’ – GEF. Rodenburg, Tunstall e van Bolhuis (1995) construíram Indicadores Ambientais Globais. Entre esses, o Indicador de Capital Natural - ICN, que considera as áreas naturais remanescentes e a biodiversidade. O ICN, grosso modo, pode ser visto como uma aproximação da dimensão, embora não do valor, dos serviços e das funções ambientais desempenhadas pelos ecossistemas no interior das fronteiras nacionais. O estudo do GEF destaca o Brasil como o país de maior estoque de capital natural do planeta.
Diante dos danos seculares ao nosso rico, e ao mesmo tempo, empobrecido País, é urgente avançar os estudos acerca da Dívida Ecológica, a fim de quantificar e reivindicar os danos decorrentes da exploração ambiental, além de corrigir a rota a partir de agora, evitando danos ecológicos e humanos para satisfazer certas vontades e interesses sem escrúpulos para com o futuro da humanidade.
Diante dos danos seculares ao nosso rico, e ao mesmo tempo, empobrecido País, é urgente avançar os estudos acerca da Dívida Ecológica, a fim de quantificar e reivindicar os danos decorrentes da exploração ambiental, além de corrigir a rota a partir de agora, evitando danos ecológicos e humanos para satisfazer certas vontades e interesses sem escrúpulos para com o futuro da humanidade.
Essa discussão é urgente, pois está em pauta no Congresso Nacional uma proposta de novo “Código de Mineração” que coloca os interesses das mineradoras acima de qualquer outro interesse ambiental ou humano. A proposta em discussão não menciona qualquer responsabilidade em relação a danos causados pela atividade mineradora às águas e solo; garante que as mineradoras poderão “usar as águas necessárias para as operações da concessão”, e proíbe qualquer atividade capaz de atrapalhar a mineração. Um verdadeiro abuso que está sendo capitaneado por parlamentares que tiveram suas campanhas financiadas por mineradoras, conforme importante Relatório “Quem é quem nas discussões do novo Código de Mineração”.
Além de representar inaceitável desrespeito ao Capítulo VI da Constituição Federal, a proposta desse novo “Código de Mineração” está no caminho inverso dos princípios éticos que regem a necessária preservação e respeito ao meio ambiente, mencionados pelo Papa Francisco, assim como dos anseios da sociedade civil nacional e internacional que exigem “que as empresas transnacionais paguem o justo” por tudo que retiram de nossas terras.
Conclusão
A violação do direito ao meio ambiente equilibrado, assim como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade dos atingidos pela recente tragédia em Minas Gerais, dos habitantes da região de Araxá e da região do Xingu, e seus descendentes, tem sido recorrente e brutal, provocada pela ganância na exploração do minério de ferro, nióbio e ouro, respectivamente.
Estes são apenas três exemplos de terrorismo ambiental, com incalculável dano às pessoas e ao meio ambiente, enquanto os donos das grandes mineradoras nacionais e estrangeiras que atuam no Brasil lucram bilhões a cada ano e pouco contribuem para a arrecadação tributária, devido às indecentes benesses fiscais.
Os órgãos de controle ambiental do País estão sendo desmontados. O Ibama, por exemplo, tem passado por sucessivos cortes de recursos, a ponto de recorrer a venda de prédios e empréstimos internacionais junto ao Banco Mundial e BID, como noticiado em maio deste ano. O DNPM também passa por cortes orçamentários. Tais cortes têm sido justificados face à necessidade de economizar recursos para o pagamento de parte dos juros da dívida pública nunca auditada e sobre a qual recaem diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade documentados até por CPI da Dívida Pública da Câmara dos Deputados.
É necessário cobrar a tremenda Dívida Ecológica que tem sido gerada por esses processos predatórios de exploração mineral.O recente crime ambiental ocorrido em Minas Gerais exige urgente reflexão sobre a atividade de mineração no Brasil. O minério não dá duas safras, como todos sabemos. É urgente avançar o debate sobre o terrorismo ambiental, os estudos sobre a dívida ecológica e sua quantificação para reparação à altura e correção de rumos.