Modificar a cultura de sigilo de informações que permeia o setor público não é uma tarefa simples. Séculos de perpetuação do segredo e a alegada ausência de recursos físicos e humanos fazem com que legislações que completam 15 anos, como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ainda não sejam plenamente cumpridas.
Responsável por fiscalizar o cumprimento da LRF, da Lei de Acesso à Informação (LAI) e de outras obrigações dos órgãos públicos, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) lançou em 2014 o Prêmio Boas Práticas de Transparência na Internet. Neste ano, apenas 15% das prefeituras do Rio Grande do Sul foram contempladas com a distinção.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, os auditores públicos Elisa Rohenkohl e Renato Pedroso Lauris, coordenadores da premiação, avaliam que, apesar da resistência cultural, as práticas de transparência têm aumentado, possibilitando a ampliação do poder de fiscalização pela população.
Jornal do Comércio - Como é feita a avaliação da transparência dos portais de internet?
Renato Pedroso Lauris - Avaliamos licitações, contratos, informações de despesas e receitas, dados sobre veículos e imóveis, recursos humanos, canais de pedidos de informação, enfim, uma gama de requisitos. Há aspectos específicos para o Executivo, com a apresentação de informações de serviços de interesse do cidadão - como o pagamento de impostos, os horários da coleta de lixo, o transporte coletivo, o período de vacinação e o atendimento de determinados postos de saúde. Para o Legislativo, como a atividade é distinta, exige-se informações sobre as leis, os projetos de lei e o funcionamento das comissões parlamentares, por exemplo.
Elisa Rohenkohl - Procuramos abranger todas as exigências da LRF e da LAI para permitir que, por meio destas leis, o cidadão possa acompanhar e realizar o controle social. Também nos preocupamos em disponibilizar outro conjunto de informações que diz respeito à prestação de serviço, procurando qualificar o atendimento e gerando inclusive uma economia de recursos: quando o cidadão é bem-informado, ele vai ao canal correto. Então, vamos além da LAI e da LRF.
JC - A veracidade das informações prestadas é aferida?
Lauris - Temos limitações de tempo e recursos humanos e não podemos aferir a veracidade. Então, contamos com eventuais identificações disso por parte do cidadão, da imprensa e dos próprios auditores em suas inspeções ordinárias. Deixamos claro que, se houver alguma irregularidade, o ente público pode perder a premiação.
JC - O número de 15% de prefeituras premiadas em 2015 é pequeno. Por que esse percentual diminuto?
Lauris - Apesar de necessitarmos de muitos avanços, estes 15% de executivos representam, em termos populacionais, quase metade da população do Estado. Neste ano, tivemos uma mudança na metodologia do prêmio e, embora o número de agraciados tenha caído no Executivo, em relação ao ano passado, houve uma evolução. A queda aconteceu, porque fizemos uma ampliação nos quesitos considerados, que ficaram mais rígidos.
Elisa - Na verdade, o que buscamos na premiação é destacar os portais que são exemplares, e por isso o número reduzido. Não quer dizer que os outros portais não sejam bons, eles só não atingiram este patamar de boas práticas que estabelecemos para fins de premiação.
JC - Quando há a identificação de descumprimento da LAI e da LRF, a que sanções são submetidos os entes públicos?
Elisa - Havendo descumprimento e inobservâncias das leis, levamos as ocorrências para os processos de contas, que viram apontamentos. Nestes processos, os gestores podem se defender e é possível que tenham a aplicação de multa ou o impedimento do repasse de verbas de alguma instância.
JC - Que evoluções são possíveis identificar?
Lauris - Boa parte das mudanças de metodologia, com critérios mais rigorosos, impactaram os executivos. No Legislativo, se mantiveram praticamente as mesmas exigências, é possível ver significativas alterações. Em 2014, foram 24 câmaras de vereadores premiadas e, neste ano, chegamos a 60. Se mantivéssemos os mesmos parâmetros para o Executivo, sairíamos de 99 para 124 prefeituras - mas, com as mudanças nos critérios, foram 76 premiadas. Em termos percentuais, há um avanço maior no Legislativo. Mas podemos verificar que há aspectos, como o cumprimento da publicação em tempo real, de receitas e despesas, que estão sendo cumpridos por cerca de 90% dos entes públicos, tanto no Legislativo, quanto no Executivo.
Elisa - De forma geral, houve avanços, mas entendemos que a questão da transparência é algo cultural. Por mais que a LAI tenha quatro anos, esse processo de implantação da transparência é lento. Mas não só os resultados melhoraram, como os gestores têm nos procurado e se preocupado com o aprimoramento.
JC - Por que os Legislativos têm dados inferiores aos Executivos, mesmo com menos exigências?
Elisa - É uma questão cultural. O Executivo tem sido cobrado e exigido a disponibilizar dados para a população há muito mais tempo. Historicamente, o Legislativo tem sido menos demandado em disponibilizar informações do que o Executivo, por isso o descompasso entre os dois.
JC - Há alguma possibilidade de as empresas públicas serem avaliadas em uma categoria do prêmio?
Lauris - A princípio, não. Mas muitos entes da área estadual também querem ser avaliados, para que possam ser colocados à prova.
Elisa - Os Executivos e Legislativos são mais compráveis. Na área estadual, é complicado comparar as exigências de secretarias, empresas e órgãos distintos. Mas oferecemos a possibilidade de prestar esclarecimentos a todos.
JC - O tribunal anunciou uma parceria com site ReclameAqui para averiguar as respostas dos entes públicos a reclamações da população neste espaço. Como está o projeto?
Lauris - Têm algumas questões operacionais que precisam melhorar, como o recebimento de dados, mas esse é um projeto prioritário do TCE.
Elisa - Pretendemos implementar a parceria até o fim do ano.
JC - E o ReclameAqui pode vir a integrar a premiação?
Elisa - Nosso objetivo é oferecer os contatos corretos para que o ReclameAqui possa indicar os canais oficiais para a população se relacionar com os entes públicos e, ao mesmo tempo, receber dados para que possamos monitorar as respostas e a qualidade destas informações. A ideia é hospedar essas informações do ReclameAqui no portal do TCE e fazer com que isso estimule as respostas por parte do poder público; e isso, eventualmente, poderá ser incluso nas rotinas de fiscalização. Mas ainda não pensamos em uma vinculação com o prêmio.
Lauris - Até avaliamos se existe um canal de ouvidoria na premiação. Agora, para testar o funcionamento do canal, precisaríamos de mais informações e um escopo maior de infraestrutura. Mas acredito que chegaremos em um ponto de maturação no futuro em que poderemos observar se há a resposta dos pedidos.
Elisa - Além da parceria com o ReclameAqui, o tribunal tem realizado parcerias como com a Associação de Diários do Interior. Estamos apoiando uma pesquisa sobre os pedidos de informação como forma de avaliar a maneira de resposta. Os pedidos de informação não têm o mesmo objetivo da ouvidoria, mas precisam ser mensurados.
Lauris - De toda forma, sempre que há uma negativa ou impedimento na obtenção da informação, nossos canais de ouvidoria estão disponíveis para atendimento do público, e é importante que saibamos destes casos para fiscalizar.