O governo gaúcho lançou na metade de 2023 o projeto da parceria público-privada (PPP) para a reforma de 99 escolas em 15 cidades e o repasse à iniciativa privada, nas mesmas instituições, de serviços como limpeza, manutenção e segurança por 25 anos. Em julho deste ano, abriu a etapa de consulta pública.
Na segunda semana de dezembro, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/RS) suspendeu a PPP da educação após seu Serviço de Auditoria de Engenharia e Desestatizações do Estado (Saede) concluir que vários pontos do projeto precisavam ser revisados antes da publicação do edital.
A suspensão foi determinada em caráter de tutela de urgência pelo relator do processo na Corte, conselheiro Estilac Xavier, que também intimou a pasta da Educação a prestar esclarecimentos dentro de 30 dias. A suspensão será mantida até o julgamento definitivo da matéria.
Entre os itens apontados pelo Saede estão insuficiência de comprovação de vantagem da PPP, apropriação indevida de custos de financiamento para as despesas operacionais no custo-benefício, ausência de prestação de informações necessárias ao controle externo, violação à lei que prevê autonomia pedagógica das escolas, falta de regularização fundiária das unidades educacionais e falta de fiscalização permanente da execução contratual.
Os documentos do TCE indicam que, para demonstrar a vantagem financeira da PPP sobre a da contratação de obra pública tradicional, foi usada a metodologia Value For Money, que compara os desembolsos previstos nas duas modalidades considerando o valor do dinheiro no tempo através de uma taxa de juros.
No caso da PPP da Educação, o governo gaúcho usou, para trazer a valor presente os desembolsos projetados nas duas hipóteses, uma taxa de juros de 12,03% ao ano. O Executivo justificou o uso dessa taxa, determinante para indicar que a PPP era mais vantajosa, por ser ela a utilizada nos contratos de dívida do RS com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A equipe de auditoria do TCE, contudo, constatou que a taxa de juros dos contratos com o BID equivale a menos de 1,7% do total da dívida do Estado e que, portanto, não é representativa do custo da dívida estadual. Muito mais adequado do custo de oportunidade para estimativa da dívida pública seria o Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), que representa mais de 90% da conta. Conforme os documentos da área técnica do tribunal, o CAM em 2023 alcançou 8,97%. Na média entre 2013 e 2023, foi de 4,85% ao ano.
Os auditores então refizeram os cálculos, utilizando o CAM de 2023 e o CAM médio de 2013 a 2023, comparando os resultados com o Value For Money do projeto de PPP. Apuraram que, aplicado o CAM de 2023, o Estado teria, a valor presente, um prejuízo aproximado de R$ 8,1 milhões ao optar pela PPP em detrimento da contratação de obra pública tradicional. Se usado o CAM médio de 2013 a 2023, o prejuízo alcançaria R$ 40,3 milhões.
Na tutela de urgência, o relator chamou a atenção também para o cálculo apresentado pelo governo partir do pressuposto de que a Secretaria da Educação possuiria custo de captação financeira de 12,03% ao ano. Ele advertiu que isso “não corresponde à realidade fática”, uma vez que a pasta já financia a maior parte de serviços como de limpeza, manutenção e segurança com fontes de recursos próprios como o Fundeb, despesas de manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) e salário-educação. Que integram o fluxo regular de transferências de recursos da União para o Estado, sem incidência de juros.
O titular da Secretaria da Reconstrução Gaúcha (Serg), Pedro Capeluppi, afirma que todos os questionamentos serão equacionados.
“Temos uma relação muito boa com a equipe técnica do TCE na área de parcerias, e uma forma de trabalho muito eficaz. O Tribunal sempre analisa toda a documentação, faz perguntas, o que é fundamental para melhorar o projeto. E sempre respondemos tudo antes do edital. Não entendi por que o conselheiro resolveu aplicar uma tutela de urgência, algo totalmente desnecessário. Mas, enfim, vamos responder a todos os pontos, temos muita convicção do desenho, porque é um modelo que vem dando muito certo no Brasil”, conclui.