Por Ana Carolina Martins da Silva *
Assunto do momento, a indicação de nomes para duas vagas abertas no Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), respingou em nós, da UERGS. Em breve, o governador Tarso Genro e a Assembleia Legislativa estarão com dois nomes em mãos. Há debates em torno do nome a ser indicado pelo Governo e o nome a ser indicado pela Assembléia. Entretanto, em artigo intitulado “O nascimento da cidadania”, publicado no Correiro do Povo, (20/07/2011), o Vice-presidente do Centro de Auditores TCERS, Amauri Perusso, comentou que “Pela primeira vez, nos 76 anos do TCE, a cidadania apresentou-se para disputaras vagas”. Citando duas candidaturas, vamos assim dizer, livres. A do prof. Paulo Vargas Groff, da UERGS, a qual ele classifica como “ato de singeleza” e a do jornalista Marcos Rolim, que, segundo Perusso: “(…) fez-se chegar às mãos do chefe do poder Executivo, com um documento intitulado “Por um Novo Tribunal de Contas”, contendo 347 assinaturas de figuras públicas que o apóiam.” O articulista cita que, além de Boaventura Souza Santos, “escritores, operadores do direito, juízes, desembargadores, cantores, atores, pesquisadores, jornalistas, dirigentes sindicais e lutadores sociais em geral. Nomes daqui, do Brasil, e de outros países” assinaram esse documento. Para ele, esses dois postulados demonstram que o cidadão começa a se apresentar para quebrar o paradigma das barganhas e das trocas políticas. Diz: “A afirmação da cidadania amadurecida poderá resgatar o TCERS da triste trajetória histórica, para construir um tribunal que seja instrumento para o controle social das finanças públicas.”
Até aí, fui me sentindo contemplada com as reflexões do Vice-Presidente, porém, como ele tocou numa pessoa muito importante para nós, da UERGS, senti-me pressionada a ir mais além em sua reflexão. Fiquei pensando sobre o tal documento do jornalista Marcos Rolim e cheguei à conclusão de que ele não pode ser comparado com o prof. Paulo Vargas Groff. O fato de haver intelectuais importantes, ou sindicalistas signatários do documento, não o torna um instrumento diferente do que está sendo usado para a tal “indicação” final. É o famoso Q.I. (Quem Indica). Se o instrumento é para ser este, pois bem, eu e muitos colegas da UERGS indicamos o prof. Paulo Vargas Groff! Porém, numa perspectiva, talvez diferente da política de “Estadania” tradicional, como dizia José Murilo de Carvalho, em seu “Formação das Almas”. Essa política de “Estadania” visa, nos antigos moldes do Estado Português, entrar no Estado em um cargo como forma de obter renda e de abrir perspectivas de carreira. Para nós, indicar o prof. Groff, significa ver o Estado, talvez, com o mesmo olhar do Governo Tarso, a julgar pelo seu Plano de Governo e por seu discurso em nossa Aula Magna de 10 Anos. Vemos essa possibilidade não apenas como uma afirmação da cidadania, nas palavras de Perusso, mas como uma afirmação do direito do Cidadão. Qualquer pessoa, mediante um currículo compatível deveria ter o direito a se candidatar a estas vagas.
Para não deixar em aberto sobre o Prof. Groff, que não é tão famoso quanto Rolim, o que posso dizer é que tem 46 anos (idade ótima para aprender, idade da justiça para ensinar), possui Doutorado em Direito Constitucional – Université de Paris I (Pantheon-Sorbonne) – 2000; Mestrado em Ciência Política – Université de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) – 1996; e Graduação em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) – 1992. Atualmente é Professor do Mestrado, Especialização e Graduação, na área do Direito na URI, Campus de Santo Ângelo (RS) e na graduação em Direito no Campus de Frederico Westphalen (RS). É também Professor da UERGS, Diretor da Unidade de Frederico Westphalen e atua na área da Gestão Pública, como Coordenador do Curso de Administração: Gestão Pública. É Vice-Diretor de Comunicação da Associação dos Docentes da UERGS – ADUERGS – e Conselheiro do CONSUN – Representante Docente do Campus Regional III. Foi bancário, Sargento da Brigada Militar e foi Chefe da Guarda Municipal de Porto Alegre até ingressar na carreira do Magistério Superior, há aproximadamente 15 anos, em dedicação exclusiva. É pai de família. Tem experiência na área do Direito Constitucional e da Ciência Política. No Direito Constitucional tem trabalhado com os seguintes temas: Direitos Fundamentais, Controle de Constitucionalidade, Interesses Transindividuais, Direito Processual Constitucional, Hermenêutica Constitucional e Federalismo. Na Ciência Política trabalha com Estado, Governo e Democracia. Parece-me que, além de um ato singelo, o prof. Paulo Groff fez um ato de desbravamento, aplicando o que ensina aos seus alunos sobre Gestão Pública. Quando perguntei a ele: Por quê? Sua resposta: “Quero ser um conselheiro com a capacidade de dialogar com todos os segmentos políticos e sociais.” Excelente. Todos nós temos o dever de querer exercer os nossos direitos em funções administrativas do Estado.
Então, abro o outro debate. Por que estas vagas não podem ser eletivas? Por que nunca o foram? Por que não podemos discutir e aprovar esse tipo de mudança? Nós podemos? Digo: nós, agora, considerando o povo do RS. Podemos interferir nesse processo e de alguma forma transformar essas vagas em vagas eletivas? Elegemos o Governador, a Presidente, não podemos eleger os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado? Podemos instituir concurso público para estas vagas?
A competência do Tribunal de Contas encontra-se expressa constitucionalmente no artigo 71 da Carta Federal e da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Ora, ainda que baseada na Constituição, podemos mexer em alguma coisa. De qualquer forma, vamos ter de mexer na Constituição do Estado para inserir a UERGS. Embora tenhamos muitas expectativas do desenvolvimento do Estado focadas em nós, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul não contempla a existência de um sistema de ensino superior estadual. Essa omissão dificulta a consolidação e estruturação institucional da UERGS. Então, se vamos retocar algumas coisas, podemos retocar outras. Porém, não estou preocupada em mudar a competência do TCE, não tenho conhecimento para tal. Estou pensando sobre quem a põe na prática.
Dentre as principais atribuições do Tribunal de Contas, ressalto algumas, que a meu ver, já inviabilizam completamente a indicação ou aprovação dos Conselheiros pela Assembléia, ou, com o perdão do Governador Tarso, do próprio Governador. A saber:
– Exercer, com a Assembléia Legislativa, na forma da Constituição, o controle externo das contas dos Poderes do Estado e, com as Câmaras de Vereadores, o mesmo controle na área municipal; Emitir Parecer Prévio sobre as contas do Governador e dos Prefeitos Municipais; (…) Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens, rendas e valores sujeitos à sua jurisdição, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário; Representar ao Governador e à Assembléia Legislativa, ao Prefeito e à Câmara Municipal, sobre irregularidades ou abusos apurados no exercício de suas atividades fiscalizadoras; (…) Apreciar, para fins de registro, a legalidade das admissões de pessoal a qualquer título e das concessões iniciais de aposentadorias, transferências para a reserva, reformas e pensões, bem como das revisões, quando for alterada a fundamentação legal do respectivo ato concessor, excetuadas as nomeações para cargos em comissão; (…)Fiscalizar a legalidade e a legitimidade da procedência dos bens e rendas acrescidos ao patrimônio do agente público, bem como o cumprimento da obrigatoriedade da apresentação de declaração de bens e rendas no exercício de cargo, função ou emprego público.
Sinceramente, como a Assembléia vai indicar aqueles que vão lhe fiscalizar? Por que justamente os cargos em Comissão ficam fora das atribuições dessas investigações? Esse tipo de estrutura precisa começar a ser mudada. Alguém tem de dar o primeiro passo. Acho pouco provável que esse venha dos poderes constituídos. Precisamos conquistar esses direitos básicos que constituem a cidadania: direitos civis (os fundamentais, à vida, à liberdade, igualdade perante a lei…), políticos (participação do cidadão no governo da sociedade: votar e ser votado) e sociais (participação na riqueza coletiva – ou direito à educação, ao salário justo, à aposentadoria…). Segundo José Murilo de Carvalho, em um outro livro seu: “Cidadania no Brasil: o longo caminho”., até 1930, no Brasil, tínhamos uma espécie de “cidadania em negativo”, ou seja, o povo, de verdade, apenas assistia curioso e surpreso aos grandes acontecimentos nacionais. De lá, para cá, os direitos que nos constituiriam cidadãos começaram a ser implantados numa “lógica inversa”. Primeiro os sociais, depois os políticos, todos de forma precária e quase bizarra, declara o pensador, e quanto aos civis, estamos longe de atingi-los, enquanto totalidade da nação, com o que eu concordo. Guardadas as devidas proporções, temos um recorte dessa situação no Rio Grande do Sul.
Costumo dizer que, no Rio Grande do Sul, se produz tanto dinheiro, se trabalha tanto, que não se precisa fazer além, para termos muitas coisas boas para dividir dentre todos! É só estancar a roubalheira que já começa a sobrar e muito, porque criminoso de colarinho branco não rouba pouco. Ele rouba milhões, bilhões, afinal, o gaucho tem de ser sempre o primeiro em tudo, não é mesmo?!
Enfim, a menos que queiramos assumir a definição que Marx atribuiu ao Estado, para o nosso pequeno Estado Sulino: “O estado é o poder organizado de uma classe para a opressão de uma outra, isto é o poder de opressão da classe exploradora (detentora do capital) sobre as massas exploradas, fornecedoras de mão-de-obra para acumulação da riqueza (via mais-valia) da classe exploradora”, é preciso que comecemos a entregar a chave do cofre para pessoas de fora dos círculos de amizade e de articulação estreita política. Pessoas financiadas por grandes empresas e por grandes interesses financeiros não têm liberdade para trabalhar, infelizmente. Não estou colocando em dúvida pessoa a pessoa. Nada disso. Estou apenas dizendo que é histórico: “Quem dá o pão, dá o ensino”. Quem financia campanha, vem cobrar depois, é certo! Precisamos constituir um tipo de financiamento público, que evite compra de cabeças e colocar o cidadão e a cidadã, por competência, por concurso, por processo seletivo, por voto, nos lugares mais importantes para o desenvolvimento, o crescimento e a felicidade de todos e todas. Então, para estas vagas de Conselheiro do TCE, eu voto na emancipação.
* Mestre em Comunicação Social, professora da UERGS