Todas as atividades humanas são reguladas. Mesmo em nossa maior intimidade, em nós mesmos, como Freud nos indicou na apresentação do conceito moral do superego, instância psíquica na qual nossas ações instintivas são reguladas, numa espécie de autorregulação para o convívio em sociedade. É certo que hoje não somos mais uma sociedade arcaica, em que a moral era o principal regulador do comportamento humano. Hoje, temos leis, que, em última instância, por meio da Constituição, regulam as ações e os relacionamentos humanos.
As redes sociais são uma realidade absoluta, talvez a maior invenção social do século. E, como tal, exercem uma grande influência nas nossas ações, comportamentos e relacionamentos. Qualquer curioso das relações humanas percebe uma mudança de paradigma causada pelas redes sociais. As redes estão acessíveis 24 horas por dia nas mãos das pessoas, e a programação da tecnologia, o famoso algoritmo, é capaz de definir o que cada um de nós vê. Dessa forma, o poder nas mãos de quem programa esses algoritmos é comparado ao dos editores do rádio, da tv e da imprensa tradicional. Aliás, essa comparação não é justa. Os programadores das redes sociais detêm um poder ainda maior, pois o conteúdo direcionado e customizado prende nossa atenção, aprende com a nossa interação e, assim, oferece o que nos mobiliza. A TV é regulada, o rádio também; é absolutamente temerário que algo mais poderoso e influenciador – como as redes sociais – não seja regulado.
Alguns argumentam que as redes sociais são neutras, que os usuários é que são os responsáveis por suas interações, mas isso não se verifica na realidade, pois os programadores das redes sociais fazem com que a nossa interação com elas seja direcionada. Não há neutralidade na bolha, isso é um fato. Imagine, por exemplo, um canal de televisão que soubesse exatamente o que gostaríamos de ver, em determinada hora do dia e consciente do nosso humor. Esse canal imaginário são as redes sociais, por essa razão, tanto você quanto eu recebemos delas um determinado padrão de conteúdo, que difere muito do padrão que é oferecido para aquele familiar ou amigo que têm opiniões diferentes da sua.
Segundo estudos do prestigiado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), as notícias falsas (fake news) se espalham 70% mais rápido do que as notícias verdadeiras. (https://news.mit.edu/2018/study-twitter-false-news-travels-faster-true-stories-0308 )
Segundo pesquisa do Data Senado (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/materias/relatorios-de-pesquisa/redes-sociais-e-noticias-falsas ), 72% dos brasileiros estão muito preocupados com a quantidade de notícias falsas divulgadas nas redes sociais e 92% têm algum nível de preocupação. Além disso, 91% dos entrevistados acreditam que as redes sociais influenciam muito a opinião das pessoas, e 91% acreditam que notícias falsas trazem riscos para a sociedade.
Ainda segundo o Data Senado, 58% dos entrevistados discordam da afirmação de que nas redes sociais é fácil saber quais notícias são verdadeiras e quais são falsas.
Por fim, 80% dos entrevistados acreditam que a criação de uma lei de combate às Fake News contribuiria para diminuir a quantidade de notícias falsas nas redes sociais.
Não regular as redes sociais se assemelharia à constituição de uma sociedade autoritariamente governada, pois alguns poucos indivíduos, os programadores das redes sociais, têm o poder de direcionar o comportamento e as relações do restante das pessoas. Isso é incompatível com um estado democrático de direitos, ao qual pertencemos – e que gostaríamos de continuar.
O Parlamento não pode se furtar de legislar sobre esse tema. Ressalta-se: este é o tema mais importante a ser debatido em qualquer parte do planeta, pois está na base da constituição do contrato social que rege a interação social, principalmente aqui no Brasil, em que vemos claramente o poder dos programadores das redes sociais em influenciar o comportamento dos cidadãos.
*Analista Legislativo do Senado Federal. Ex-Auditor de Controle Externo do TCE-RS. Mestre em Administração Pública