Porto Alegre tem 4.634 crianças de 0 a 5 anos fora da creche ou da pré-escola – um déficit de 36,52%. Ou seja, três em cada 10 meninos e meninas com idade para frequentar a Educação Infantil ainda aguardam por uma vaga, em 2021, nas escolas públicas da Capital. É o que apontam os dados atualizados da Secretaria Municipal de Educação (Smed).
No ano passado, não havia fila de espera para a pré-escola, que contempla a faixa etária de 4 a 5 anos. Na contrapartida, para a creche, onde são atendidos estudantes de 0 a 3 anos, havia 3,3 mil crianças aguardando uma vaga. Em 2020, houve uma queda de 19% na procura de matrículas para as duas etapas da Educação Infantil – a maioria influenciada pela pandemia, conforme avaliação da Smed.
Uma das iniciativas da secretaria para diminuir a fila de espera nos próximos meses é a realização de um mapeamento para identificar nas escolas, principalmente as comunitárias, onde há alguma vaga disponível. Este “pente-fino” quer descobrir os locais onde as matrículas não correspondem a um aluno de fato estudando. Isso ocorre uma vez que é possível ter ocorrido desistências ou mudanças na residência das crianças ao longo do ano e a vaga não ter sido preenchida novamente.
A meta da Smed é zerar a fila de espera até o início do ano letivo de 2022. A data extrapola o prazo previsto pelo Plano Nacional de Educação (PNE), criado em 2014, para a universalização da pré-escola a crianças de 4 a 5 anos, até 2016. Mas ainda está dentro do prazo para a ampliação da oferta em 50% para as creches (0 a 3 anos) – a data limite é 2024.
De acordo com os dados do Sistema de Informações Educacionais, a prefeitura de Porto Alegre atende 11.898 crianças em creches e 14.977 em pré-escolas, totalizando 26.875 estudantes na Educação Infantil.
Segundo a Secretária de Educação de Porto Alegre, Janaína Audino, o número total de alunos sofre constante variação, já que a etapa de 0 a 3 anos não é obrigatória. Além disso, podem acontecer transferências e/ou desistências ao longo do ano e também o avanço das crianças nas faixas etárias. Esses fatores, influenciados ainda mais por conta da pandemia, demandam da secretaria uma necessidade de mapeamento das vagas ocupadas.
– O primeiro movimento é de identificar entre as escolas que já são parceiras quais podem absorver essa demanda. Após isso, o próximo passo é ampliar as vagas nas escolas comunitárias – completa a secretária.
Em 2021, Porto Alegre firmou parceria com três escolas, gerando um total de 323 novas vagas – menos de 10% do número necessário. As escolas ficam nos bairros Ponta Grossa, Restinga e na Vila Jardim. No total, o município conta com 42 escolas infantis próprias e 211 conveniadas, as chamadas “escolas comunitárias”.
A secretaria realiza a seleção de novos alunos, para as instituições parceiras e próprias, por meio de critérios de vulnerabilidade social e baixa renda. Ter irmãos matriculados na mesma escola e menor renda per capita familiar, de acordo com o número de dependentes e o responsável legal ser beneficiário do programa Bolsa Família, são alguns desses critérios.
Ainda segundo a secretária, a prefeitura trabalha no lançamento de um projeto de compra de vagas em escolas particulares. Um edital está sendo montado para firmar parcerias com essas instituições privadas. A prefeitura acredita que a medida possa viabilizar que mais crianças sejam atendidas já no próximo ano letivo.
De acordo com a Smed, o documento está em fase de definição de valores – em que é necessário fazer um comparativo dos custos de alunos em escolas privadas e em escolas municipais. O edital ainda não tem data prevista para ser lançado, mas deve acontecer somente após a conclusão da vistoria e precisa ser encaminhado para a aprovação da Secretaria Municipal da Fazenda de Porto Alegre (SMF).
Conforme dados dos Tribunais de Contas de todo o país, Porto Alegre ainda não atingiu nenhuma das metas do Plano Nacional de Educação
A dificuldade de muitas famílias em garantir uma vaga na Educação Infantil de Porto Alegre – a Capital tem um déficit de 36,52% – aponta para o descumprimento das metas impostas pelo Plano Nacional de Educação (PNE), criado em 2014. A determinação estabeleceu a universalização, até 2016, para pré-escola a crianças de 4 a 5 anos e a ampliação da oferta em 50% nas creches – para receber aqueles de 0 a 3 anos – até 2024.
Para especialistas da área, o não cumprimento do PNE por Porto Alegre pode ser resultado de diferentes fatores. O principal deles seria a dificuldade das gestões municipais desenvolverem políticas públicas a longo prazo, que não seria influenciadas por mudanças no comando da prefeitura e, principalmente, da Secretaria Municipal de Educação (Smed).
A professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora de politicas para a Educação Infantil, Maria Luíza Flores, destaca ainda que a falta de vagas ocorre mesmo com o município não realizando a busca ativa das crianças.
– Em Porto Alegre, sabemos que há em algumas escolas vagas disponíveis, mas em locais onde não há demanda. É uma falta de sincronia. Ainda, observamos que muitas vagas oferecidas são parciais e não integrais. Ou seja, o tempo de permanência dos alunos não contempla o período em que os pais, muitas vezes, estão trabalhando e vai na contramão da legislação – afirma a pesquisadora.
Flores também destaca uma proposta que já esteve em debate na Comissão de Educação, na Assembleia Legislativa. A ideia seria garantir a colaboração entre o Estado e os municípios para que as escolas estaduais de Ensino Fundamental cedessem espaço, como salas de aulas, por exemplo, para a instalação da Educação Infantil municipal. Assim, caberia à prefeitura fornecer aos alunos as demais condições, com a gestão das turmas. No entanto, a proposta não avançou no desenvolvimento de um Projeto de Lei (PL) Estadual.
O formato que vem sendo utilizado pela Smed – observado também em outras capitais –, para garantir mais vagas, é a contratação de escolas comunitárias dentro de uma parceria com a prefeitura. Para pesquisadores do assunto, a medida tem sérias deficiências quanto à qualidade do atendimento e também não corresponde as especificações do PNE.
– Não existe um modelo de ensino bom ou ruim, mas é preciso garantir um acesso igualitário para as crianças. Faltam políticas públicas para que todas as escolas atendam da mesma forma. Há uma precarização da oferta de vagas e não é possível apenas “empilhar” as crianças nas instituições – ressalta a doutoranda e pesquisadora do Grupo de Pesquisa: Relação entre o Público e o Privado na educação da UFRGS, Monique Robain Montano.
Para Comitê, déficit de vagas é mais significativo
Dados do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB), entidade que congrega os Tribunais de Contas estaduais, reforçam a situação da Capital na conquista das metas do PNE relacionados à Educação Infantil.
Em levantamento realizado por GZH no TC Educa – plataforma abastecida pelos Tribunais de Contas e que monitora o desenvolvimento das metas do PNE – em 2020, Porto Alegre estava na 16º colocação, entre todas as capitais e o Distrito Federal, dentro da meta de chegar a 100% das crianças na pré-escola. O município apresentava 65,2% de atendimento das crianças de 4 e 5 anos.
Já para o atendimento nas creches, Porto Alegre está em uma melhor situação em comparação às demais capitais e o Distrito Federal, ficando na 8º posição. No entanto, conforme os dados, a capital gaúcha tem apenas 28,8% das crianças de 0 a 3 anos atendidas. A plataforma aponta ainda que apenas duas capitais – Vitória e São Paulo - já conseguiram atingir a meta de ampliação em 50%.
A taxa de atendimento é calculada utilizando o Censo Escolar da Educação Básica 2020, INEP/MEC, estimativa populacional elaborada pelo TCE/SC com base no Censo Populacional 2010, mais as estimativas municipais anuais do IBGE e em dados de sistemas de informações de nascidos vivos e mortalidade do Ministério da Saúde.
Desta forma, o Comitê não utiliza o método de contabilização de alunos feito pela maioria das prefeituras, onde a existência da criança é considerada conforme a procura dos pais por uma vaga nas escolas.
Em Vitória, resultados chegam com transparência e ações a longo prazo
Conforme a plataforma TC Educa, Vitória, no Espírito Santo, apresenta os melhores índices do país para a Educação Infantil. O atendimento das crianças de 0 a 3 anos, nas creches, chega a 61,8% - superando a meta estabelecida no PNE – e alcança 91,1% na pré-escola, para as crianças de 4 a 5 anos. Outras capitais que apresentam os números mais elevados são São Paulo, Florianópolis e Belo Horizonte.
Com uma população estimada em 369.534 pessoas – o equivalente a cerca de 25% da população estimada de Porto Alegre – a capital capixaba conta, atualmente, com 15.905 crianças matriculadas na Educação Infantil – 9.103 em creches e 6.802, na pré-escola. Para a Secretaria Municipal da Educação de Vitória, a resposta para os números atingidos está em um trabalho de longo prazo. Ainda em 2013, a pasta implantou um sistema de mapeamento das matrículas, onde os responsáveis pela criança fazem uma primeira inscrição para a vaga e apontam locais onde gostariam de realizar a matrícula.
O sistema unificado permite a secretaria ter o controle de todas as vagas e permanece aberto o ano inteiro – não há um período para que as crianças possam ser matriculadas. A partir do momento que os pais sinalizam o interesse pela vaga, são informados pela secretaria se há a disponibilidade na escola solicitada e, se isso não acontecer, são oferecidas outras opções.
– Temos uma transparência no processo de matrícula muito grande, a família já fica sabendo ao fazer o cadastro qual o lugar de vaga dela. Assim, os pais têm mais informações para tomar decisões, se vai esperar por uma vaga em uma escola ou fazer matrícula em outro local oferecido pela secretaria – afirma a secretária da educação de Vitória, Juliana Rohsner.
Diferentemente de Porto Alegre, Vitória não conta com escolas comunitárias e todas as instituições pertencem ao município, os chamados Centros Municipais em Educação Infantil. São 49 centros onde ficam a creche e a pré-escola. Ainda, 83% dos profissionais que atendem esta faixa de ensino são efetivos.
– Cuidamos da educação desde a base e isso foi se consolidando aqui em Vitória como uma política pública mesmo, independente de quem é o prefeito. Os próprios profissionais da rede atuam para manter a educação como prioridade para o município – reforça a secretária.
*Com a colaboração de Rochane Carvalho