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Por que a capitalização na Previdência deu errado onde foi testada?

Escrito por Emilio Chernavsky para Jornal GGN10 de Set de 2019 às 10:49
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No regime de capitalização, o trabalhador financia a sua própria aposentadoria. Foto Agência Brasil.
 
 

A proposta de reforma da Previdência originalmente enviada pelo governo ao Congresso continha dispositivo que remetia a lei complementar a instituição de um novo regime de previdência social organizado com base em sistema de capitalização. Nesse novo regime, cada trabalhador acumularia em fundos administrados por gestoras normalmente privadas os recursos para pagar sua própria aposentadoria no futuro.

Mesmo que opcional, a capitalização tenderia a se generalizar, substituindo progressivamente o atual sistema de repartição como base do financiamento da Previdência. Isto porque em um país de salários médios baixos e desemprego e informalidade estruturalmente elevados como o Brasil, se o valor das contribuições exigido no novo regime for menor, mesmo que marginalmente, que o devido no sistema atual, poucos trabalhadores terão a real opção de nele permanecer.

Embora esse dispositivo tenha sido retirado na tramitação da proposta na Câmara dos Deputados, o governo tem insistido no assunto e promete enviar ao Congresso nova proposta, desta vez específica para a instituição da capitalização. Diante dessa possibilidade, é importante conhecer as experiências de países em que o regime foi implantado. Nesse sentido merece atenção o recente estudo publicado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT*.

Ele mostra que, apesar de ter sido promovido durante anos por organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial e think-tanks internacionais, e da pressão do sistema financeiro que vê grandes oportunidades na gestão dos fundos no novo regime, apenas trinta países, e nenhum dentre os desenvolvidos, adotaram a capitalização integral para a previdência básica, e privatizaram total ou parcialmente seus sistemas desde os anos 1990 (1981, no caso do Chile). Em particular nos países europeus, onde a proporção de idosos na população é mais alta e poderia se supor que o sistema de repartição enfrentaria maiores dificuldades, ele foi mantido, tendo apenas sofrido mudanças paramétricas. Não só relativamente poucos países adotaram o novo sistema como, daqueles trinta que o fizeram, dezoito já o haviam abandonado em 2018 apesar dos custos relevantes e das dificuldades em fazê-lo, e onde ele se mantém é fonte constante de questionamentos. É difícil, assim, dizer que o experimento tenha sido bem-sucedido.

A razão para isto está em dois elementos principais que, mesmo de forma heterogênea, se verificam em todos os casos em que a capitalização foi adotada: o custo fiscal da transição e a impopularidade dos novos regimes.

O custo da transição ocorre porque os trabalhadores que aderem ao novo regime deixam de contribuir para o custeio dos benefícios pagos aos aposentados e pensionistas pelo regime atual, e essa contribuição faltante se torna um custo muito grande a ser suportado pelo Tesouro. Este custo, que tem sido seriamente subdimensionado na transição aos regimes de capitalização, tende a ser elevado e crescente no tempo e a absorver parcela relevante dos recursos do Estado, provocando forte aumento da dívida pública e/ou comprometendo a prestação de serviços e o próprio funcionamento da máquina durante décadas.

A impopularidade dos novos regimes, por sua vez, resulta basicamente da redução do valor dos benefícios pagos e de sua previsibilidade muito menor, além da redução da cobertura, que leva boa parte dos aposentados à situação de pobreza ou mesmo miséria. Ou seja, os benefícios são de valor inferior, muito mais incertos e pagos a menos pessoas do que ocorre hoje. Vários fatores que dificultam o acúmulo das reservas individuais contribuem para esse resultado:

As alíquotas de contribuição aos fundos de capitalização foram geralmente fixadas (e o governo dá a entender que é isso o que faria no Brasil) em níveis mais baixos que nos regimes de repartição até então existentes (chegando à isenção total da contribuição patronal), buscando com isso atrair participantes ao novo regime.


A informalidade no mercado de trabalho e a flexibilização do mercado formal trazida pelas recentes reformas trabalhistas comprometem a regularidade e o montante das contribuições.


iii.   A operação de políticas públicas redistributivas em favor dos grupos de menor renda é mais complexa com a intermediação de novos agentes, dificultando a operação de mecanismos solidários.

1. Os custos administrativos do sistema de capitalização a serem deduzidos dos fluxos que alimentam as reservas tendem a ser mais elevados em razão, principalmente, das escalas menores e custos operacionais consequentemente maiores resultantes da participação no mercado de várias gestoras, e da incorporação de custos que, no sistema público de repartição, são inexistentes (marketing, custódia, garantias, operadores de mercado capitais) ou muito mais baixos (legais e de auditoria).


2. A rentabilidade dos administradores dos fundos, igualmente deduzida das reservas e inexistente nos regimes de repartição, também tende a ser elevada em razão da alta concentração do mercado, frequentemente dominado por gestoras estrangeiras, marcado por grandes assimetrias de informação e fricções na escolha que dificultam a substituição dos administradores pelos participantes, e com previsíveis problemas de captura dos reguladores.


3. Os riscos associados ao ciclo de vida e às flutuações macroeconômicas e do mercado de capitais – especialmente elevados em mercados emergentes em razão de sua alta volatilidade –, coletivos no regime de repartição, são transferidos ao indivíduo, que se vê sujeito aos impactos não apenas de infortúnios pessoais, mas também de crises financeiras e cambiais, frequentemente importadas do exterior, além de fraudes e equívocos dos administradores contra as quais suas possibilidades de proteção são muito limitadas.


As informações até agora divulgadas não nos permitem saber se e como o governo pretende encaminhar estas questões. Sem respostas convincentes para o custo da transição que inviabiliza o Estado, nem para os problemas que, ao gerar pobreza e miséria na velhice, tornaram a o sistema impopular onde ele foi testado, a capitalização tem tudo para dar errado também no Brasil.

Leia também:  CCJ do Senado aprova reforma da Previdência sem alterações
* ORTIZ, I.; VALVERDE, F.D.; URBAN, S.; WODSAK, V. (eds) Reversing Pension Privatizations: Rebuilding public pension systems in Eastern Europe and Latin America. International Labour Organization, Genebra, 2018.

Disponível em https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—ed_protect/—soc_sec/documents/publication/wcms_648574.pdf

 

   

 

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