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O domínio do rentismo no governo Temer

Escrito por Ricardo Dathein para Jornal JÁ16 de Set de 2016 às 10:12
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Artigo de Ricardo Dathein para Jornal JÁ.
 
 

O governo Temer propõe um Novo Regime Fiscal para o país, de longa duração, baseado em uma avaliação de que existe um problema fiscal estrutural. Busca-se neste artigo evidenciar que a dinâmica fiscal deve ser entendida a partir de outra concepção.
Qual a causa de déficits públicos? Uma ideia vulgar, usada pelos liberais, é a de que esse déficit provém do comportamento populista, gastador, de governos em geral de esquerda. No entanto, normalmente o que provoca o crescimento do déficit público e da dívida pública são crises econômicas ou o baixo crescimento. Veja-se pelos gráficos a seguir que no período entre 2003 e 2014 houve uma substancial melhora nas contas públicas. A piora atual começou em 2014, com a crise econômica. Não há, portanto, nenhum problema estrutural, mas sim conjuntural, cíclico. O endividamento e o déficit público no Brasil em 2014 estavam em níveis muito confortáveis, comparativamente a outros países e ao histórico nacional.

 

 

No período 2004-2014 houve um grande aumento de gastos públicos, incluindo as políticas sociais, e ao mesmo tempo ocorreu melhora das contas públicas (e isso apesar de todo o desperdício de recursos no governo Dilma 1 com subsídios e isenções fiscais para empresas, que resultou em fracasso). Esse desempenho fiscal resultou do aumento de receitas compatíveis, por conta do maior crescimento econômico em um contexto internacional favorável. No período anterior a 2003 houve substancial aumento da dívida pública, mesmo com um governo liberal. Isso deriva não de que o governo FHC fosse gastador, populista, mas de que a conjuntura internacional foi pior e porque esse governo adotava políticas que produziam menos crescimento. Portanto, o que determina piora ou melhora das contas públicas é o desempenho da economia, dependentes do contexto internacional e de opções de políticas.
Há um mito, portanto, de que finanças saudáveis dependem de agentes e governos responsáveis que usam teorias “racionais”. Uma questão que chama atenção é de que justo nos governos liberais ou com o uso de políticas liberais (como no governo Dilma 2) a situação fiscal piora. Isso ocorre não porque agentes liberais sejam mais gastadores ou irresponsáveis. A explicação é outra. A economia de mercado é inerentemente instável. Sem controle, ou gerida de forma liberal, essa característica se impõe plenamente. Essa dinâmica provoca crises cíclicas que tendem a ser mais profundas, justo pela inação do Estado, ou pior, pela ação pró-cíclica, como na gestão Levy. Essas crises produzem automaticamente (com a brusca queda de receitas) déficits crescentes, aumentando o endividamento. Ou então os governos passam a atuar com políticas anticíclicas, também aumentando o déficit em um primeiro momento.
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O argumento da crise estrutural é oportunista, buscando priorizar interesses do mercado. Em tese, as medidas do governo provocarão enormes superávits fiscais a partir do momento em que a economia voltar a crescer, pois parte-se de uma situação de “fundo do poço” em termos de receita. Uma questão que se coloca é o que será feito com os recursos não gastos. Os gastos sociais não são prioridade. O governo também não se propõe a aumentar investimentos, pois não há nenhum programa em vista nesse sentido. O que se propõe é que o setor privado assuma os investimentos a partir de concessões. O governo também não prometeu cortes de impostos, mas essa seria uma alternativa futura.
Como o capital financeiro e os interesses rentistas disseminados em toda a economia comandam a rationale da gestão federal, uma hipótese é de que as classes rentistas pretendem de apropriar desses recursos, via pagamento de juros sobre a dívida pública. Mas para isso é necessário que a dívida cresça muito, e que a taxa de juros baixe pouco e lentamente. Na realidade, quanto piores as finanças públicas, melhor para o capital financeiro, para suas rendas e para seu controle político.
Neste momento, por exemplo (assim como ocorreu no governo FHC, ver gráfico 1), há fortes movimentos no sentido de provocar grandes aumentos de endividamento público, de forma que o maior estoque gere grandes pagamentos futuros de juros, mesmo que a taxa de juros diminua. Essa lógica mostra a captura do Estado por parte do capital financeiro, o que também já ocorria nas gestões petistas, assim como sucede em todo o mundo.
Existe, portanto, uma contradição entre um discurso de austeridade e uma realidade e prática opostas. A realidade se impõem, e a prática oposta deriva de um comportamento oligárquico, antes que liberal. Nosso liberalismo é um mito. Os interesses rentistas não passam de interesses oligárquicos, com pretensões nobiliárias, daqueles que buscam viver de rendas, às custas do Estado, sem nada produzir.
Nosso capitalismo oligárquico busca, ao contrário do discurso e da teoria, eliminar o risco dos negócios. A teoria que coloca como instituições fundamentais para o desenvolvimento econômico as garantias dos contratos e os direitos de propriedade expressa essa concepção de capitalismo rentista, que exige a eliminação do risco para si, com sua assunção pelo Estado. Isso ocorre em sua plenitude para nosso capital financeiro, do qual os outros capitais são sócios: o Estado garante a remuneração dos capitais ociosos. Ou então aparece nas propostas de parcerias público-privadas e de privatizações, nas quais o Estado (ou melhor, a sociedade) deve assumir os eventuais prejuízos e os custos subsidiados de financiamento, enquanto o setor privado “assume” os lucros garantidos.
Essa concepção parte de uma visão radical de liberalismo, tão presente entre os gaúchos com seus fóruns liberais, de que o país se divide entre, de um lado, os indivíduos livres e, de outro, o Estado opressor. Portanto, esse Estado deve ser sempre combatido. Com isso justifica-se o saque. E a melhor forma de saque, com aparência de negócios, é o rentismo.
A partir disso tende-se a produzir um capitalismo cada vez mais avesso ao risco, cada vez mais dependente do Estado, cada vez mais necessitando de custos salariais baixos, cada vez menos inovador e produtivo. Em suma, trata-se do aprofundamento do subdesenvolvimento por parte de uma elite incapaz.

   

 

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