“Considerado um dos minerais mais valiosos do mundo, o nióbio é exemplo da falta de política industrial no Brasil”. A observação é do jornalista Wanderley Preite Sobrinho, em artigo publicado na edição da revista bimestral Brasileiros. “Dono das maiores reservas do mundo, o país desperdiça a chance de se tornar uma potência nas indústrias tecnológica e aeroespacial”, acrescentou no artigo intitulado O ouro ignorado por tolos.
A falta de uma estratégia industrial no governo do presidente de facto, Michel Temer, “tem como símbolo o nióbio, um mineral praticamente desconhecido do brasileiro, embora as maiores reservas do mundo fiquem no país, valham uma fortuna e sejam consideradas estratégicas. Pelos Estados Unidos”, escreve Sobrinho. O mineral é indispensável à fabricação de ligas metálicas utilizadas em turbinas de avião e tubos de gasoduto, entre outras aplicações de ponta.
Em 2010, o WikiLeaks vazou um documento do Departamento de Estado norte-americano que incluía as minas brasileiras na lista de locais “imprescindíveis” aos planos dos Estados Unidos. Um ano depois, a única empresa brasileira que extraía o mineral era a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Uma empresa do banqueiro Walter Moreira Salles, um dos mais ricos do país. Em 2011, Salles vendeu 30% de seu capital a um grupo de empresas chinesas, japonesas e sul-coreanas por US$ 4 bilhões (R$ 13 bilhões).
Golpe lucrativo
Logo após o golpe de Estado civil-militar, em 1964, o Almirante Arthur W. Radford, da Marinha norte-americana, convenceu o banqueiro brasileiro Walther Moreira Salles, que já havia sido embaixador nos EUA, a investir em um empreendimento para produção de nióbio. Naquela época, não havia mercado nem uso comercial para o metal em pó. Havia alguns estudos sugerindo que pequenas quantidades dele poderiam tornar o aço mais resistente e flexível.
Radford era membro do conselho da mineradora Molycorp Inc., que havia adquirido dos militares no poder os direitos sobre depósitos de nióbio, em Minas Gerais. Precisava, no entanto, de outro investidor para explorar a mina. Moreira Salles decidiu comprar uma participação majoritária na operação, com base nos informes da inteligência norte-americana. Atualmente, o metal é aplicado em 10% de toda a produção de aço mundial. De automóveis a oleodutos e turbinas de avião. Após adquirir gradualmente a fatia da Molycorp, a família Salles produz hoje 85% do nióbio no mundo.
O domínio desse mercado ajudou a fazer dos herdeiros de Walther Moreira Salles a família mais rica do Brasil. Os seus quatro filhos — Fernando, Pedro, João e Walter – têm uma fortuna combinada de US$ 27 bilhões, de acordo com o Índice Bloomberg de Bilionários. Os irmãos não aparecem hoje em nenhum outro ranking internacional de fortunas.
Lucro exorbitante
A CBMM é uma mineradora que gera lucro anual superior a US$ 600 milhões, conforme os resultados financeiros divulgados publicamente. A companhia está avaliada em pelo menos US$ 13 bilhões, cálculo com base na venda de uma fatia de 30% pela família a um grupo de siderúrgicas asiáticas por US$ 3,9 bilhões em 2011.
Estima-se que os irmãos dividam igualmente os 70% restantes, segundo o ranking da Bloomberg. A fortuna da família na prospecção de nióbio vale mais do que a participação deles de US$ 7,1 bilhões no Itaú Unibanco Holding S.A. Trata-se do maior banco da América Latina em valor de mercado, ao qual o nome da família é frequentemente associado.
Em seu palacete, no Rio de Janeiro, Walther recebia convidados como Henry Ford II, Nelson Rockefeller, Aristotle Onassis e Mick Jagger. Ao longo dos anos, Walther doou quadros de Picasso, Bellini e Raphael ao Museu de Arte de São Paulo. Mais tarde ele transformou sua casa na sede do Instituto Moreira Salles, fundado em 1992 para patrocinar a cultura no Brasil. João é hoje o chairman do instituto.
Patrimônio
Os dividendos da CBMM, frequentemente, superam 50% do lucro líquido anual. É o que dizem os resultados publicados pela empresa, no Diário Oficial de Minas Gerais. Em uma análise básica desses pagamentos, do dinheiro distribuído pelo Itaú Unibanco, de impostos e do desempenho do mercado, a família Moreira Salles provavelmente é dona de uma carteira de ativos com potencial de investimento de quase US$ 11 bilhões, segundo o ranking.
Os irmãos Moreira Salles, procurados pela reportagem do Correio do Brasil, preferiram não tecer qualquer comentário sobre os resultados financeiros da família. Mas, reunidos, eles são mais ricos do que os herdeiros do Grupo Votorantim. Uma empresa liderada por Antônio Ermírio de Moraes, com patrimônio combinado de US$ 26 bilhões. Perdem apenas para a família Marinho, dona das Organizações Globo, com perto de US$ 46 bilhões. O título de pessoa mais rica do Brasil permanece com o investidor da Anheuser-Busch InBev NV, Jorge Paulo Lemann, com uma fortuna de US$ 20,6 bilhões.
Cláusula secreta
Na extração do mineral, a CBMM mantém em segredos as suas técnicas. As siderúrgicas asiáticas, que compraram participação na empresa –- grupo que inclui a chinesa Baosteel Group Corp. e a japonesa Nippon Steel & Sumitomo Metal Corp. –- nunca tiveram permissão para fazer avaliações técnicas. Assinaram um contrato que contém a cláusula de segredo nesse campo.
“A CBMM não é uma mineradora, é uma empresa de tecnologia”, disse Carneiro. O metal não é raro, segundo ele. “Raro é o mercado”.
O processo é tão complexo e intensivo em capital que existem apenas quatro minas de nióbio em operação no mundo todo, apesar dos 300 depósitos conhecidos.
São necessários diversos estágios de refino. E muita tecnologia para transformar uma terra granulada marrom com teor de nióbio de apenas 3%, numa liga de ferro com pureza de 66%, produto comprado pelas siderúrgicas globais. A CBMM processa 750 toneladas por hora nas instalações em Araxá, a cerca de 360 km de Belo Horizonte.
Em média, são necessários somente 200 gramas de liga de nióbio para fortalecer uma tonelada de aço. Isso permite que as siderúrgicas produzam automóveis mais leves e eficientes. Pontes e edifícios mais robustos. O produto é responsável por 90% da receita da CBMM.
Alta tecnologia
As aplicações do nióbio não param por aí. De acordo com o artigo de Sobrinho, “a adição de apenas 0,1% de nióbio ao aço é suficiente para a fabricação de ligas levíssimas. Capazes de suportar altas temperaturas e resistir à corrosão. Perfeito para a fabricação de satélites e carros de alta performance.
— Aquela chama da combustão nas turbinas dos foguetes só é possível em função dessa liga — disse Roberto Galery, professor de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao articulista.
O nióbio foi descoberto em 1801 pelo químico inglês Charles Hatchett, que encontrou o elemento ao analisar um mineral da coleção do Museu Britânico. O pesquisador o batizou de columbium. Quarenta e cinco anos depois, o químico alemão Heinrich Rose voltou a encontrar o elemento em rochas de tântalo, e o chamou de nióbio.
Além de fonte para a indústria aeroespacial, automobilística e energética, as jazidas de nióbio produzem como subproduto as chamadas terras-raras. Consideradas por muitos “o ouro do século XXI”, são metais extremamente magnetizáveis, condutores de calor e eletricidade, perfeito para a fabricação de produtos de alta tecnologia.
— São usadas para construir superimãs, lâmpadas de led e chip — enumera o professor.
Vontade política
Em alguns países do mundo, a existência do nióbio e das terras-raras seria suficiente para a formulação de um polo de desenvolvimento. Integraria, assim, a extração mineral às indústrias aeroespacial e tecnológica. Com base no mineral, o país poderia fazer uma fortuna exportando minérios.
— Falta posicionamento estratégico. Se temos interesse em tecnologia de satélite, GPS, é bom dominar essa tecnologia. E ganhar dinheiro com ela — aconselha o professor.
Para tanto, o professor defende o fomento estatal com os impostos revertidos para o próprio setor.
— O que o governo brasileiro não faz é o que os países asiáticos fizeram: investiram pesado em educação e tecnologia. O Brasil desperdiça a chance de ser um seleiro tecnológico. Nos falta vontade política — conclui.