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Mais impostos e gastos são a nova ortodoxia econômica

Leia análise de Martin Sandbu para o Financial Times

Escrito por Martin Sandbu para o Financial Times07 de Ago de 2020 às 10:18
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A devastação provocada pelo novo coronavírus é, acima de tudo, uma questão de sofrimento humano a ser lamentada. Mas também precisamos notar outra vítima
da pandemia: ela coloca o último prego no caixão de uma filosofia econômica que dominou a elaboração de políticas por mais de 30 anos.

A experiência da estagflação dos anos 1970 e os saltos na dívida pública dos 80 produziram uma reação na forma de um conjunto particular de ideais de
responsabilidade fiscal. Almejar manter as dívidas e o déficit público em níveis moderados tornou-se marca de seriedade dos políticos; assim como os juramentos
renegando aumentos na arrecadação tributária dos países para custear gastos públicos cada vez maiores em relação à renda nacional. O pensamento
convencional olhava com desconfiança tanto para a ideia de “tributar e gastar” quanto para a de “captar empréstimos para gastar”.

Antes da pandemia, esse ponto de vista já perdia força, uma vez que as opiniões dos especialistas vinham se tornando mais tolerantes quanto ao endividamento e mais preocupadas quanto aos danos provocados pelos cortes nos gastos públicos, na esteira da crise financeira de 2008. Agora, diante das consequências  econômicas da covid-19, as verdades aceitas sobre responsabilidade fiscal se tornarão impossíveis de sustentar.


Desde março, os governos acertadamente têm assumido
enormes déficits fiscais para limitar o colapso da atividade
econômica, proteger a renda e sustentar a relação entre
empregadores e empregados. Como resultado, os encargos
com a dívida pública estão em alta por todos os lados e
chegam a níveis nunca vistos ou que não se viam há muitas
décadas.

Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
muitos de seus países membros podem aumentar a dívida em 20 a 30 pontos
percentuais do PIB neste ano e no próximo.

Impostos

Isso obrigará praticamente todos os governos a fazer uma simples escolha. Eles
podem tolerar indefinidamente os altos encargos das dívidas ou, em vez disso,
tentar reduzi-las a níveis moderados. De forma alternativa, podem elevar
permanentemente a arrecadação tributária para equilibrar as contas e começar a
reduzir gradualmente as dívidas. De qualquer forma, combinar simultaneamente
políticas “responsáveis” na frente dos impostos e na das dívidas não é mais uma
opção.

E, mesmo essa escolha — ser “fiscalmente responsável” ou com as dívidas ou com
os impostos — é uma possibilidade apenas na hipótese de um melhor cenário.
Podemos ter que descartar as duas situações e aprender a viver permanentemente
com alto endividamento público e com altos impostos.

Isso será realidade se as economias nunca retomarem a tendência de crescimento
pré-pandemia, o que parece quase certo se outra onda de infecções impuser novas
medidas nacionais de confinamento. O resultante déficit permanente na
arrecadação governamental implicaria que os impostos precisariam ser elevados,
não para reduzir o percentual de endividamento, mas simplesmente para evitar que
fique ainda maior.

Alguns expressam a esperança — ou o medo — de que os governos possam
convencer seus bancos centrais a, em vez disso, reduzir a dívida via inflação. Isso é,
teoricamente, possível. Mas, é claro, só significaria derrubar outro pilar da noção
convencional do que constitui uma política econômica “séria”, a saber, dispor de um
BC estabilizador da inflação.

Exemplo japonês

As evidências, porém, mostram que os BCs encontram dificuldade mesmo para
elevar a inflação e atingir suas próprias metas, quanto mais elevá-la a ponto
suficiente de corroer a dívida pública. O caso do Japão é instrutivo: décadas de uma política monetária expansionista, frequentemente pioneira, não foram suficientes para reduzir a dívida pública via inflação.

Igualmente esclarecedor é que a arrecadação do Japão com impostos, que
costumava ser bem menor do que a média dos países ricos, subiu de forma
acentuada. De acordo com a OCDE, em 2000, Tóquio abocanhou 25,8% do PIB em impostos, pelo critério amplo de definição, 8 pontos percentuais abaixo da média da OCDE. Antes da pandemia isso havia aumentado para 31,4% do PIB, a 3 pontos percentuais da média da OCDE. Se o Japão é prenúncio do futuro de todas as economias ricas, então, podem esperar que a dívida pública se mantenha alta e os impostos subam.

É difícil imaginar tal mudança nas ideias vigentes sem, também, uma mudança na
política. Tenha em mente quais interesses foram mais bem representados pelas
ideias predominantes de responsabilidade fiscal. A ideia de que captações públicas
de empréstimos tornavam mais caro o financiamento do setor privado e tiravam
espaço dos investimentos privados era predominante há tempos. Impostos mais
altos, naturalmente, eram vistos como fatores redutores da margem de lucro das
empresas privadas.

A antiga ortodoxia, em outras palavras, convinha para os ricos em ativos e os que
recebiam renda controlando ou sendo donos de capital. O poder desses interesses
— em termos de definição das ideias reinantes sobre o que eram políticas sérias, se não também diretamente por meio de lobby — pôde ser visto na resposta da
maioria dos países ao salto anterior no endividamento público, causado pela crise
financeira de 2008. A ortodoxia fiscal esteve por trás do empenho para reduzir os
gastos públicos em muitos países.

Hoje, é muito mais difícil imaginar cortes significativos nos orçamentos públicos. Em
parte, porque os danos dos cortes passados agora estão visíveis e fica mais difícil
justificar novos cortes. Em parte, porque a própria pandemia direciona o foco
político aos serviços públicos deficientes e aos funcionários mal remunerados do
setor público e de outros setores essenciais.

Agora, muito mais do que há mais de dez anos, os déficits
orçamentários terão que ser cobertos por aumentos nos
impostos.

Não há motivos para achar que os beneficiados com a “responsabilidade fiscal” do
passado deixarão de lutar por seus interesses. Se aumentos tributários expressivos
são realmente inevitáveis, a batalha passará a ser sobre quem recairão os encargos de impostos mais pesados: que impostos serão elevados e em que proporção. Essa será a batalha mais feroz na política econômica se, e quando, voltarmos a ter alguma aparência de normalidade.

   

 

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