O economista americano Walt Whitman Rostow (1916-2003) foi um dos pioneiros no estudo do processo de desenvolvimento econômico dos países em geral. Formulou um fluxo de etapas que consistia em cinco fases que seriam:
a) Sociedade tradicional
b) Pré-condições para o desenvolvimento
c) Arranque (Take-off)
d) Marcha para a maturidade
e) Era do consumo em massa
Mas para que o processo ocorresse de forma natural, era necessário haver a consolidação da indústria como fator-chave do desenvolvimento. Assim como a era do consumo em massa requeria a existência de um amplo mercado consumidor doméstico com demanda efetiva para estimular a indústria.
Não se pode esperar um salto para o futuro apenas com a agricultura de subsistência, é necessário consolidar a indústria. Mas e a sua origem histórica?
1 - Introdução
A formatação dos EUA como potência econômica deve-se a alguns notáveis líderes políticos e pioneiros nos negócios conhecidos como “Founding Fathers of the United States” (os pais fundadores dos EUA). Entre eles se destacam Benjamin Franklin (1706-1790), Thomas Jefferson (1743-1826), George Washington (1732-1799), John Adams (1797-1801) entre tantos outros que viveram no século XVIII.
Porém, um deles não teve tanta fama mas sua contribuição foi notável: Alexander Hamilton. Nascido em 1755, em Charlestown, ele destacou-se como economista, advogado, escritor, militar e banqueiro.
Além disso, foi o primeiro secretário do Tesouro dos EUA, criador do sistema financeiro americano e do Banco Central dos EUA.
Em 1789, como secretário do Tesouro Federal, produziu cinco notáveis relatórios. Dois sobre o crédito público, um sobre a moeda nacional, outro sobre direitos alfandegários e, o mais importante, sobre as manufaturas.
Neste trabalho, Hamilton expõe sua argumentação de que o processo de desenvolvimento econômico do país deveria ocorrer com apoio ao crescimento da industrialização e aumento da manufatura doméstica, ou seja, os EUA deveriam produzir bens manufaturados ao invés de importá-los da Europa.
Para tal desiderato, ele advoga o pagamento de subsídios para as indústrias nacionais se desenvolverem, bem como a imposição de tarifas alfandegárias para proteger a indústria infante.
Hamilton afirmava que apenas um processo de industrialização vigoroso e contínuo seria capaz de levar ao desenvolvimento por completo. Argumentava também que a indústria em geral iria desenvolver e incorporar novas tecnologias de produção engendrando um ciclo autossustentado de crescimento.
Os estados do norte viam esta proposta como vantajosa pois não dispunham de uma agricultura pujante como o sul e além disso eram abolicionistas, ou seja, contra a escravidão. E já dispunham de uma indústria embrionária em Chicago, Detroit, Massachusetts, entre outros pontos geográficos do nordeste (manufacturing-belt).
O sul, pelo contrário, tinha vocação agrícola, e modo de produção baseado na mão-de-obra escrava em extensas propriedades rurais produtoras de algodão.
O conflito de modelos econômicos eclodiu na guerra civil de 1861-1865, quando o norte saiu vencedor.
2 - O Caso Brasileiro
Alexander Hamilton (1755 – 1804) já havia declarado que o único caminho para os EUA se tornarem uma nação próspera era investir pesadamente na produção industrial e na manufatura
Suas ideias fizeram os EUA trilhar o caminho do desenvolvimento econômico nacional. Mas, aqui, abaixo da linha do Equador, mais de duzentos anos depois, nós estamos trilhando o caminho inverso, pois nosso país passa por um processo grave de desindustrialização.
Relatório de dez/2021 da SECEX (Secretaria de Comércio Exterior) mostra que a participação de produtos industrializados na pauta de exportação nacional passou de 63% em 2010 para 50% em 2021. O país hoje tornou-se exportador de produtos primários (commodities) como açúcar, soja, minério de ferro, carne de frango congelada, etc.
Em 1986 (ano do Plano Cruzado) a indústria de transformação tinha uma participação no PIB de 27% e em 2020 baixou para 11%.
Inclusive São Paulo, maior parque industrial nacional, é líder agora na exportação de açúcar e petróleo bruto. Hoje, produtos manufaturados não são líder da pauta de exportação em nenhum estado. O país está voltando a ser um exportador de produtos primários como era no século XIX, quando o café era o principal produto de nossa pauta de exportação.
A principal consequência deste fenômeno é que os preços dos produtos primários não são determinados pelo exportador nacional, mas sim pelos mercados internacionais como o caso da soja onde o preço é fixado na Bolsa de Mercadorias de Chicago. Ou seja, o produtor nacional fica sempre dependente do mercado externo com pouca margem de manobra na hora de fechar contratos de exportação.
Outro fator que contribuiu para esta desindustrialização foi o fechamento de fábricas no país como caso da Ford que terminou a produção no Brasil onde operava desde 1919!
Entre as causas da desindustrialização estão a taxa de câmbio muito reduzida, ou seja a moeda nacional fica valorizada frente ao dólar, o que estimula a importação. Como ocorreu no período do Plano Real de 1993 -1999. Além das taxas de juros domésticas muito maiores que as taxas de juros externas (como Prime-Rate americana ou Libor inglesa) o que encarece o crédito empresarial e o crédito ao consumidor, inviabilizando financiamentos de longo prazo. Além, é claro, o sistema tributário nacional que onera pesadamente o consumo e a produção ao invés de tributar na renda e patrimônio.
Outra causa da desindustrialização é a migração de inúmeras industrias mundiais e seus sistemistas/fornecedores para a China onde o custo da mão-de-obra é menor.
Em 1980 a China e Brasil exportavam US$ 9 bilhões em manufaturados. Hoje a China exporta US$ 2.475,2 bilhões e o Brasil penas US$ 60,8 bilhões, ou seja, 40 vezes menos!
Quanto mais diversificada a pauta de exportação, mais desenvolvido é o país. A dependência nacional de commodities agrícolas e minerais expõe a fragilidade do país e limita as possibilidades de desenvolvimento.
Ainda nesta seara, o economista Paulo Gala (FGV-Rio) na obra Complexidade Econômica (Editora Contraponto, 2017) desenvolveu interessante abordagem onde considera a complexidade como elemento característico do desenvolvimento econômico definido pela diversidade de produtos de sua base exportadora, ou em outras palavras, pela variedade de produtos do seu catálogo.
Na análise, Gala faz um comparativo entre os estados do Maranhão e Santa Catarina (ambos com população de sete milhões de habitantes).
Enquanto Santa Catarina tem um setor industrial consolidado, e com forte conexão internacional, o Maranhão tem uma base econômica pautada em produtos primários (soja, minério de ferro, óxido de alumínio, cana-de-açúcar, arroz, etc). De outro lado, em Santa Catarina além da produção de aves e suínos em larga escala, há indústrias que produzem motores elétricos, material hidráulico, vestuário, bombas de ar, peças para motores, etc. onde se destacam empresas como a WEG, Tigre, Tupy, Hering, etc.
Como consequência, Santa Catarina tem um PIB per capita de quase R$ 40 mil enquanto que no Maranhão é de R$ 13 mil.
E por que a metade sul do RS é mais pobre que a metade norte? Por que não ocorreu aqui um processo de desenvolvimento industrial de alta tecnologia como ocorreu na metade norte?
As bolachas e biscoitos produzidos em Pelotas, por exemplo, têm um certo grau de tecnologia e de valor de riqueza agregada, mas os sapatos de Novo Hamburgo têm mais tecnologia e valor, a produção da Agrale de Caxias do Sul e a WEG de Jaraguá do Sul-SC, por seu turno, tem muito mais tecnologia incorporada e valor agregado.
Portanto, fica evidente que a atividade industrial, que consiste principalmente em elaborar produtos manufaturados, gera muito mais riqueza e efeitos secundários-indiretos em torno como prestadores de serviço, marketing, distribuição, etc.
A tabela 2 abaixo mostra que os dez maiores produtos exportados pelo país. Observe-se que não há produtos manufaturados.
A indústria brasileira cresceu muito sob a proteção de tarifas alfandegárias durante todo o ciclo do governo militar.
Quando o governo Collor iniciou em 1990, logo começou a era do liberalismo econômico. O novo governo eliminou muito das barreiras anti-importação expondo a indústria nacional à concorrência estrangeira de modo que muitas empresas nacionais foram extintas ou incorporadas por empresas estrangeiras mais sólidas e com domínio de tecnologia mais avançada. O então presidente Collor disse certa feita "os carros brasileiros são carroças".
Desde o início dos anos 2000, ocorreu um encolhimento do setor industrial por inúmeros fatores.
Transferência de muitas fábricas para o sudeste asiático em busca de menores custos de produção (principalmente mão-de-obra) e maior proximidade do mercado consumidor europeu e oriental.
Falta de inovação nos produtos industriais e pouca incorporação de novas tecnologias.
Custo financeiro doméstico muito alto quando comparado com as principais praças financeiras do planeta, entre outros.
3 – Conclusão
É, portanto, consenso geral que a liderança do desenvolvimento econômico é determinada pela atividade industrial em suas diversas formas.
Destarte, tem-se que a redução da produção industrial brasileira coloca o país em uma situação vulnerável no mercado internacional. Pois, ficamos dependentes de tecnologia e manufaturados produzidos no exterior. Ou seja, o país perde autonomia e fica dependente de outras nações que podem ou não transferir tecnologia.
Haja vista o atual conflito EUA x China pelo domínio dos chips de computador e demais componentes essenciais. Nenhum país quer perder o controle destes manufaturados para o concorrente.
Para nosso país não perder novamente o caminho do desenvolvimento é urgente uma mudança de rumo que promova a industrialização em bases competitivas e com domínio de novas tecnologias.
Não podemos esquecer a lição de Alexandre Hamilton lá em 1789.
*Economista, Bacharel em Direito, Mestre em Educação,
Auditor estadual, Professor e Escritor (jntzjr@gmail.com)