Em despacho publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (28), a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) declarou o governo do Estado do Rio Grande do Sul “habilitado para aderir ao regime de recuperação fiscal”. O pedido havia sido oficializado pelo governador Eduardo Leite em 27 de dezembro do ano passado.
Assinada pelo secretário do Tesouro Nacional, Paulo Fontoura Valle, a decisão é considerada uma vitória por Eduardo Leite e pelo secretário estadual da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso, e chega quase cinco anos depois da primeira tentativa - realizada pelo então governador José Ivo Sartori, sem êxito. Contribuíram para a reversão do resultado, as reformas e privatizações aprovadas por Leite, além de alterações na própria lei do regime ao longo de 2020 e 2021, que tornaram as exigências mais brandas.
A partir de agora, se inicia uma segunda etapa nas negociações. Para obter a homologação final do acordo e a assinatura do presidente da República, Jair Bolsonaro, Cardoso e a equipe terão de apresentar, em até seis meses, um plano de recuperação fiscal.
Esse plano será uma espécie de bússola financeira do Estado pelos próximos nove anos e terá de conter medidas garantindo que, ao final desse prazo, o governo gaúcho estará com as contas em dia e apto a voltar a pagar as parcelas integrais da dívida com a União e de outros passivos.
O que é o regime de recuperação fiscal
É um programa de ajuste para Estados em situação de desequilíbrio financeiro
Na prática, permite a flexibilização de regras fiscais durante a vigência do regime (nove anos), a concessão de empréstimos para fins específicos (voltados à reestruturação das contas) e a suspensão do pagamento de dívidas
Em contrapartida, o Estado deve adotar medidas e reformas institucionais para garantir que o equilíbrio fiscal seja restaurado
Quais são as etapas
São quatro fases
Primeiro, o governo do Estado apresenta o pedido de adesão à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), vinculada ao Ministério da Economia - isso ocorreu em 27 de dezembro de 2021
A STN, então, tem 30 dias para analisar o pedido, verificar se o Estado se enquadra no regime de recuperação e dizer se aceita ou não - a resposta foi positiva e chegou nesta sexta-feira (28)
Com o aval inicial, o governo do Estado já passa a cumprir as vedações impostas como contrapartida (leia abaixo) e tem até seis meses para propor um plano de recuperação fiscal, que terá vigência nove anos e deverá resultar no restabelecimento do equilíbrio das contas
O plano proposto será avaliado pelo Ministério da Economia, com base em pareceres da STN, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e do Conselho de Supervisão do Regime. Essa etapa terá prazo de 25 dias (15 para os pareceres e mais 10 dias para manifestação do ministério). Havendo manifestação favorável, o presidente da República poderá, então, homologar o plano e estabelecer a sua vigência, efetivando o ingresso do Estado no regime
O que o Estado ganha, se aderir
. Suspensão total de dívidas pelo prazo de até 12 meses (não só a dívida com a União, mas passivos que tenham garantia do governo federal, incluindo a dívida externa). A partir do segundo ano do regime, o pagamento será retomado de forma gradativa, até que, ao final dos nove anos, as prestações voltarão a ser pagas integralmente, em tese, com as contas sanadas
. Suspensão dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal para as despesas com pessoal e a dívida consolidada (há penalidades em caso de descumprimento). Hoje, o Estado não extrapola o limite de gastos com pessoal, mas o endividamento está acima do permitido, o que impede novos empréstimos
. Dispensa de cumprir uma série de exigências fiscais (por exemplo: repasse em dia de tributos, empréstimos e financiamentos à União) para poder receber transferências federais voluntárias
. Dispensa de todos os requisitos legais exigidos para a contratação de operações de crédito com garantia da União. Os financiamentos passam a ser permitidos, desde que estejam previstos no plano de recuperação e sejam voltados ao reequilíbrio das contas (por exemplo: para financiar a reestruturação de passivos; no caso do RS, isso vale, em especial, para a dívida com precatórios, de R$ 16 bilhões)
Mas a dívida já não está suspensa?
Sim, desde 2017, com base em uma liminar judicial, o Estado não paga a dívida com a União
O problema, segundo o governo Leite, é que já são R$ 14 bilhões em atraso, e a liminar é uma decisão provisória, sem garantias de que se manterá de forma definitiva
Se cair, o governo tem de pagar a pendência, e não há dinheiro suficiente em caixa
Com a adesão ao regime, o valor em atraso será refinanciado em até 30 anos, em um novo contrato, cujo pagamento terá início no segundo mês após a homologação final do pedido de adesão
As contrapartidas exigidas
Para ter os benefícios mencionados acima, o governo do Estado terá de cumprir uma série de vedações, assim que aderir ao regime. Embora existam exceções e haja a possibilidade de alterações (desde que fique claro que isso não afetará o resultado final), o governo do RS não poderá adotar as seguintes medidas:
1.Concessão de reajustes a servidores e empregados públicos e militares (com exceção da revisão anual assegurada pela Constituição Federal e de casos envolvendo sentença judicial)
2.Criação de cargo, emprego ou função e alteração de estrutura de carreira que impliquem aumento de despesa
3.Admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa e de contratos temporários
4.Realização de concurso público que não seja para reposição de quadros
5.Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza a servidores e empregados públicos e de militares
6.Criação de despesa obrigatória de caráter continuado
7.Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória
8.Concessão, prorrogação, renovação ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita
9.Empenho ou contratação de despesas com publicidade e propaganda, exceto para as áreas de saúde, segurança, educação e outras de demonstrada utilidade pública
10.Alteração de alíquotas ou bases de cálculo de tributos que implique redução da arrecadação