O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, manifestou sua rejeição ao patrimonialismo. O ministro utilizou o conceito para designar a concessão de incentivos, subsídios e favorecimentos a determinados setores da economia.
Na raiz da rejeição, está a concepção da economia competitiva: povoado por indivíduos racionais e otimizadores, o mercado, sem favores ou barreiras, tem a virtude de gerar os incentivos adequados ao crescimento econômico e para a elevação do bem-estar da comunidade. Nessa visão, mesmo com a economia resvalando para a recessão, o equilíbrio intertemporal das contas públicas é condição para o crescimento econômico saudável. É o que tenta há cinco anos a Europa da senhora Merkel.
Vamos ao patrimonialismo. O leitor certamente conhece o livro de Raymundo Faoro, Os Donos do Poder, uma aventura intelectual na busca do desvendamento das raízes patrimonialistas da sociedade e do Estado no Brasil. O livro de Faoro não é de fácil leitura. A obra não investiga apenas os caminhos e descaminhos do patrimonialismo brasileiro. Avança, sim, na perquirição a respeito das origens luso-colonial-mercantilistas do patrimonialismo nativo. No fim do percurso encontra a encruzilhada weberiana: o patrimonialismo tupiniquim junta-se ao fenômeno universal do “patrimonialismo capitalista”.
O capitalismo realmente existente na Inglaterra liberal do século XIX surgiu das entranhas dos privilégios mercantis. No século XVIII, às vésperas da Revolução Industrial, diz Eric Hobsbawm, a Inglaterra era comandada pela aristocracia enriquecida na esfera financeira e mercantil. Prevaleciam os grandes comerciantes, banqueiros e negociantes de dinheiro, concentrados em Londres. Os industriais manchesterianos auferiam rendimentos muito inferiores àqueles obtidos pelos mercadores e financistas. Ainda mais ricos e influentes do que os empresários da indústria eram os que se valiam de privilégios e sinecuras: soldados, magistrados, todos incluídos na rubrica de “offices in profit of the crown”.
Os privilégios sobreviveram à Revolução Industrial. Metamorfoseados no poder da finança internacionalizada da City londrina, decretaram o destino econômico da Inglaterra, logo suplantada pela escalada das industrializações retardatárias. Os retardatários usaram e abusaram de subsídios e privilégios: protecionismo nos Estados Unidos, dirigisme na França e íntimas ligações entre o chanceler Bismarck, a burocracia Junker e o banqueiro-lobista Bleichröder, na Alemanha.
No Brasil, o patrimonialismo capitalista vestiu muitas máscaras ao longo da história, mas hoje sua identidade fugidia pode ser desvendada na fiscalidade. Vamos enveredar pela estrutura tributária e de gasto para entender o caráter regressivo e concentrador dos juros de agiota sobre dívida pública.
Entre 1995 e 2011, o Estado brasileiro transferiu para os detentores da dívida pública, sob a forma de pagamento de juros reais, um total acumulado de 109,8% do PIB. Se avançarmos até 2014, essa transferência de renda e riqueza chega a 125% do PIB. Isso significa atirar ao colo dos detentores de riqueza financeira, ao longo de 19 anos, um PIB anual, mais um quarto. É pelo menos curioso que os idealizadores do “impostômetro” não tenham pensado na criação do “jurômetro”.
É possível alinhavar algumas cifras para apontar os perdedores e ganhadores do jogo. Para tanto, vou recorrer ao excelente estudo da professora Lena Lavinas, A Long Way from Tax Justice: The brazilian case.
Nesse caso, como em outros, há brasileiros e brasileiros. Em 2011, a carga tributária bruta chegou a 35,31% do PIB. No Brasil os impostos indiretos, como o IPI e o ICMS, representam 49,22% do total da carga tributária. Como se sabe, esses impostos incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços, independentemente do nível de renda. Pobres e ricos pagam a mesma alíquota para comprar o fogão e a geladeira, mas o Leão “democraticamente” devora uma fração maior das rendas menores. Os chamados encargos sociais representavam 25,76% da carga total e o ônus estava, então, distribuído entre empregados e empregadores.
Já o Imposto de Renda contribui com parcos 19,02% para a formação da carga total, enquanto os impostos sobre o patrimônio são desprezíveis, sempre empenhados a beneficiar a riqueza imobiliária e financeira dos mais ricos. As estimativas sobre a distribuição da carga tributária bruta por nível de renda mostram que ,enquanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem ao Tesouro 53,9% da renda, os que ganham acima de 30 mínimos contribuem com 29,0%. “A quem tem, mais se lhe dará, e terá em abundância; mas, ao que quase não tem, até o que tem lhe será tirado.” Feliz ajuste fiscal.