É lei: cabe aos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e aos conselheiros de cada um dos 26 Tribunais de Contas estaduais analisar o bom uso da verba pública e a conduta dos agentes políticos no que diz respeito à administração do dinheiro que sai do bolso do contribuinte, aprovando ou reprovando contas de mandatos. Até aí, tudo bem, se não fosse um detalhe: a escolha dos "julgadores" é uma prerrogativa política, que passa pela escolha do chefe do Executivo e do parlamento – Congresso e Assembleia Legislativa.
Por aqui, o Tribunal de Contas Estadual (TCES) possui sete cadeiras. Conforme prevê a legislação, o governador deve escolher os conselheiros que ocuparão um terço do colegiado – sendo uma cadeira de livre indicação, uma cujo escolhido deve vir de lista tríplice formada pelo Ministério Público Especial de Contas e outro assento à classe dos auditores. A indicação dos outros dois terços das vagas no Tribunal é prerrogativa da Assembleia.
Mas para entidades que representam auditores e controladores de contas no país, essa dinâmica é prejudicial porque atrelaria, de certo modo, a imparcialidade necessária às decisões a certa "gratidão" àqueles que porventura tenham contribuído para a nomeação dos membros do Pleno.
"A presença de políticos, designados conselheiros, contamina o julgamento das contas dos administradores. Com tribunais formados por ex-parlamentares ou pessoas designadas pelo Executivo, a avaliação técnica é prejudicada e sobreposta por um juízo político", critica Amauri Perusso, presidente da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc).
Conduta ilibada
Dados da Fenastc apontam que um de cada cinco conselheiros no país encontra-se atualmente sob investigação ou está denunciado por crime contra a administração pública. E mais grave: esses atos, conforme ressaltou Perusso, foram praticados no exercício do cargo.
Por aqui, a percepção se confirma. No mês passado, após nove meses de desidratação política, o conselheiro Umberto Messias aposentou-se. Com uma condenação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por ter recebido, há 11 anos, um cheque de R$ 50 mil oriundos de verbas desviadas do Estado, ele relutou em deixar o cargo e, agora aposentado, continuará recebendo por toda a vida o salário de R$ 24,1 mil ao mês. Veja na página ao lado outros casos emblemáticos na Corte estadual.
Tão logo a cadeira de Messias foi declarada vaga, a cúpula do Palácio Anchieta articulou seu substituto. No mercado político, a nomeação de Rodrigo Chamoun (PSB), atual presidente da Assembleia Legislativa, é dada como certa. O parlamentar já tem o apoio de todos os colegas do Legislativo e as bênçãos do governador Renato Casagrande (PSB).
O rito de chegada de Chamoun ao TCES começa amanhã, quando ele será sabatinado pelos deputados. Após a sabatina, o socialista deverá ter o nome aprovado em votação na Casa na próxima quarta-feira. A nomeação caberá ao governador. Em 2013, uma outra vaga na Corte será aberta, já que o conselheiro Marcos Madureira completa 70 anos. Ele já está afastado judicialmente e sua substituição também deve ser feita por escolha dos deputados estaduais.
Distorção
Para o presidente da Fenastc, a fiscalização externa das contas públicas é prejudicada, essencialmente, por uma distorção "de interpretação e de comportamento" dos parlamentares e dos chefes do Executivo. "O artigo 73 da Constituição diz que o parlamento escolherá o conselheiro. Escolher não é indicar. O que acontece é que, mal aberta a vaga, estabelece-se uma situação sem nenhuma possibilidade de presença da sociedade, com uma lista de apoios e acordos fechados. O ideal é que não políticos também tivessem a oportunidade de concorrer", frisou Amauri Perusso.
O auditor João Luiz Cotta Lovatti, que substitui no TCES o conselheiro Valci Ferreira, afastado em 2007, comunga da opinião. "Com o provimento do cargo exclusivamente voltado à visão interna da Assembleia, talvez estejamos visualizando o futuro olhando para o passado. Abrir o leque seria bom porque permitiria ao povo indicar outros nomes", disse. Lovatti, inclusive, manifesta o desejo de concorrer à próxima vaga de conselheiro na Corte, ano que vem.
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Mudança
No Senado, tramita desde 2007 uma proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do então senador Renato Casagrande (PSB), prevendo alterações nos artigos que definem os critérios para escolha de ministros do TCU e conselheiros estaduais.
O texto segue em paralelo a outras propostas da Casa, que preveem inclusive a dissolução dos Tribunais de Contas e sua transformação em Auditorias. Essas novas instituições seriam, de acordo com o texto, subordinadas ao legislativo e formadas por caráter exclusivamente técnico.
Em sua proposta, assinada em março daquele ano, Casagrande afirma que "a fiscalização exercida pelos Tribunais não tem se caracterizado pela necessária isenção e independência, especialmente considerando-se a influência que o Poder Executivo exerce sobre tais instituições". O socialista propôs, na época, que os cargos de ministro do TCU e conselheiros fossem preenchidos por concurso público de provas e títulos, como forma de "coibir influência danosa".
Lovatti pondera que o concurso público, diferentemente da escolha por critérios constitucionais, não seria garantia da formação de um colegiado idôneo. "Idoneidade moral é algo que concurso algum consegue comprovar. Há situações, em outras esferas, em que vemos pessoas concursadas tendo problemas na gestão do bem público", ressaltou.
Na opinião do auditor do TCES, seria mais válido que o atual modelo fosse aprimorado para ampliar as possibilidades de candidatura e garantir que conselheiros fossem mantidos distantes da atividade política.
"É preciso separar exercício da função de mundo político. Para isso, é essencial o controle social. Quando a sociedade se omite, vemos situações como as que ocorreram aqui", lembrou, em referência aos escândalos que assolaram a imagem do TCES na história recente.