Devo meu tema de hoje ao economista Celso Martone, meu colega como professor na USP. Ele vê a economia brasileira como um carro atolado, a exigir forças exteriores para retirá-lo do lamaçal. Estendo aqui essa visão.
Quem já lidou com um carro atolado sabe ser preciso recorrer a forças desse tipo. Nas vezes que enfrentei tal situação, saí de duas formas, ajudado por quem passava pelo local. Numa, o carro foi empurrado por outras pessoas; na outra, um trator o puxou com uma corda.
O carro da economia pode ser visto como tendo tração nas quatro rodas, cada uma podendo mover-se de forma independente. São elas: o consumo das famílias, os investimentos empresariais em atividades produtivas, os gastos do governo em consumo e em investimentos e as exportações.
Ora, a roda do consumo das famílias teve sua força prejudicada pela queda de renda real que veio com o desemprego e pelos reajustes dessa renda inferiores à inflação. O consumo também passa por uma ressaca depois de inebriar-se com muita dívida quando a economia andava bem.
A roda dos empresários está contida por indecisões quanto a investir, inclusive via tomada de crédito. De modo geral, dispõem de capacidade produtiva ociosa e se amedrontaram diante dos enormes desajustes a que o dirigismo lulodilmista levou a economia. E muitos estão mal acostumados a sempre pleitear incentivos governamentais de natureza tributária e creditícia. Mas o governo teve sua roda também travada por uma crise orçamentária e financeira sem precedentes, impedindo-o de avançar com mais gastos e benesses de vulto, crise essa com origens no mesmo dirigismo.
Assim, além de atolado, o carro da economia está com a força de suas rodas fragilizada. Sobre a roda das exportações me estenderei mais à frente.
Passando às forças exteriores ao carro conforme descrito, uma que o Banco Central (BC) passou a usar desde o final do ano passado é a redução da taxa básica de juros, a Selic. O governo espera que essa redução chegue à ponta das taxas cobradas dos tomadores de crédito, estimulando-os. Mesmo se isso ocorrer, elas continuarão altíssimas e constituem problema crônico no Brasil. De vez em quando vem à tona o tal spread, ou margem cobrada pelos bancos sobre o custo do dinheiro que tomam, mas o problema não se resolve e o motor do crédito tem o seu efeito contido, exceto nas linhas com taxas favorecidas, como o crédito agrícola e o consignado. Assim, a queda dos juros vai ajudar, mas apenas numa parte do seu potencial.
Forças exteriores também podem vir se o governo recorrer a ideias “fora da caixa” mental a que está acostumado, até mesmo com relação a esse spread. Atualmente já faz um pouco disso. Assim, inovou ao liberar valores retidos em contas do FGTS. E para obras de infraestrutura fala-se muito de parcerias público-privadas (PPPs), expressão nova nas agendas governamentais. E até de mais privatizações, termo antigo, mas abandonado após o governo FHC. Boas ideias essas para a infraestrutura, mas falta a força exterior de um senso de “urgência urgentíssima” para torná-las realidade.
Nessa visão ampliada de forças exteriores, as exportações, que atendem à demanda de outros países, também podem ser estimuladas no Brasil. Isso do lado da oferta e por medidas hoje também fora da mesma caixa mental, como menor burocracia no processo de exportar e uma política cambial que as favoreça. Ouvi isto de um líder do agronegócio: “Para nós a taxa de câmbio é como chuva para a lavoura”.
Quanto a essa taxa, o que está na cabeça do governo é o câmbio flutuante. Mas este não deve excluir intervenções de olho na competitividade do País, sem prejuízo de outras medidas para ela voltadas, como as ligadas à carga tributária, à logística de transportes e à necessidade de inovações.
Defendo uma política cambial com essa flexibilidade. Hoje a taxa está perto de R$ 3,10, provocando uma estiagem de recursos para os exportadores. Antes de cair para esse valor, quando estava em torno de R$ 3,50, entre março e maio do ano passado, não ouvi reclamações. Deveria voltar a esse valor mais alto. Como? Ora, a taxa cambial também depende muito dos fluxos financeiros que vêm ao Brasil para ganhar com as altíssimas taxas de juros aqui vigentes e uma alternativa seria estabelecer mecanismos de controle cambial dessas entradas, como por meio de sua tributação.
Mas o BC, que opera o câmbio, não parece disposto agir na macroeconomia além de atuar com a Selic no combate à inflação, no que é ajudado pela queda do dólar. Passando a outro assunto de sua área, na Europa – tal como nos EUA quando da crise financeira mundial da década passada – vários países praticam o “relaxamento quantitativo” da oferta monetária, para expandir o crédito. Nos EUA houve também a compra de hipotecas imobiliárias para dar liquidez a instituições financeiras e permitir novos financiamentos.
Vejo espaço para atuação semelhante no Brasil, onde a construção civil é grande geradora de empregos. Alguém poderá argumentar que famílias e empresários não estariam interessados em financiamentos imobiliários. Mas o País é enorme e diversificado, e isso pode não estar ocorrendo, por exemplo, nas regiões onde predominam atividades ligadas ao próspero agronegócio.
Com a economia no atoleiro, é necessário buscar alternativas como as apresentadas. Mas sem abdicar da ênfase dada pelo governo Temer ao ajuste fiscal, que vem avançando, apesar de alguns senões. Sem esse ajuste quaisquer medidas mais ousadas apenas integrariam o enredo de uma tragédia ainda maior do que a hoje vivida pelo País. Mas elas podem vir junto, pois por si só o ajuste poderá contribuir para tirar a economia do atoleiro, porém esta continuará sem forças para seguir num ritmo desejável.
*Economista (UFMG, USP e Harvard), consultor econômico e de ensino superior