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Com reformas e RRF, dívida com União é pagável, diz Alexandre Postal, presidente do TCE

Escrito por Marcus Meneghetti para o Jornal do Comércio07 de Fev de 2022 às 11:14
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De todas as privatizações, a da Corsan é a mais delicada, avalia presidente do TCE Foto: Marcelo Bertani / Agência ALRS .
 
 

Com a adesão do Rio Grande do Sul ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e as reformas da previdência e administrativa em âmbito estadual, o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Alexandre Postal, acredita que a dívida do Estado com a União é pagável. Hoje, o débito gira em torno de R$ 70 bilhões. Entre os benefícios do RRF, está a autorização para a contratação de novos financiamentos, a retomada gradual do pagamento das parcelas mensais da dívida, suspenso desde 2017, devido a uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF).
Alexandre Postal acompanhou desde o início as negociações do Palácio Piratini com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), porque, no início da gestão do ex-governador José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018), foi o deputado estadual que liderou o governo na Assembleia Legislativa. Portanto, participou das primeiras discussões em torno do tema.
"Essa é a saída para o Rio Grande do Sul fazer um alargamento da sua dívida, o que pode tirar o Estado da condição de devedor, para se tornar um Estado empreendedor", projeta Postal, ao avaliar o RRF.
Ele também acredita que - devido às restrições à contratação de novos servidores públicos estaduais, durante a vigência do RRF - os próximos governadores terão que reavaliar as medidas de ajuste fiscal ao longo do tempo. "Há folgas dentro desse projeto (que institui as regras do RRF) que preveem períodos para readequação (das medidas de ajuste fiscal). Em um país em desenvolvimento como o nosso, não tem como prever o que estará acontecendo em dez anos. Acredito que, no meio dessa caminhada (de dez anos de vigência do RRF), terão que ser feitos reequilíbrios", pondera.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente do TCE também considera que o Estado conseguiu destravar as concessões de rodovias, o que deve garantir investimentos na malha rodoviária gaúcha. Além disso, lembra que o processo que culminou nas privatizações iniciou na gestão Sartori e reconhece que a venda da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) é a mais delicada.
Jornal do Comércio - O senhor acompanhou as movimentações para ingresso do RRF desde a gestão Sartori. No final de janeiro, a STN aprovou o pedido de ingresso no RRF, feito pelo Estado. Como avalia esse processo?
Alexandre Postal - De fato, eu era líder do governo Sartori quando foi iniciado um processo de várias reformas, como a da Previdência e algumas questões administrativas (que se concretizaram no governo Eduardo Leite, PSDB). Lembro que quando votamos a primeira etapa da reforma da Previdência na Assembleia Legislativa, fizemos com a casa cercada pela Brigada Militar, que fazia a proteção do local (devido aos protestos que ocorriam na Praça da Matriz). Ninguém queria fazer reforma nenhuma. Mesmo assim, conseguimos fazer. Isso deu condições para iniciarmos esse processo (de negociação para o ingresso no RRF). Antes, não havia viabilidade para fazer uma negociação com o governo central. Esse foi o início. Depois, o governador Eduardo Leite avançou nas reformas, chegando a esse pré-acordo que foi sacramento no último dia 28 (de janeiro). Agora, espera-se que, nos próximos três meses, sejam apresentadas ao Ministério da Economia todas as medidas que o Estado pretende implementar ao longo do RRF (para sanar as contas do Estado).
JC - Considera essa uma saída para o Estado?
Postal - Essa é a saída para o Rio Grande do Sul fazer um alargamento da sua dívida, o que pode tirar o Estado da condição de devedor, para se tornar um Estado empreendedor. Assim, esperamos que a pauta de dívidas não seja mais a primeira a ser discutida em qualquer reunião com o governador, o Parlamento, o Ministério Público, o Judiciário Queremos que os assuntos estejam relacionados ao desenvolvimento, tanto para atrair indústrias quanto para os investimentos como os que o governador Leite tem lançado nos últimos meses (dentro do Programa Avançar). Sem dúvida, traz alento a mim, um homem do Interior, saber que esses projetos vão trazer desenvolvimento para todas as regiões do Rio Grande do Sul.
JC - O TCE participa da formulação do Plano de Recuperação Fiscal?
Postal - A formulação do plano fica entre o governo do Estado e a STN. Nos próximos três meses, é necessário ver aquilo que queremos para os próximos anos, para estar tudo dentro do plano. Cada órgão do Estado ou cada poder do Estado vai ter que mencionar aquilo que pretende fazer durante o RRF. Isso deve estar dentro do Plano de Recuperação Fiscal apresentado à STN.
JC - Um dos pontos que tem sido criticado no RRF é o congelamento do salário dos servidores públicos, que, durante os dez anos de vigência de regime, só poderá ser corrigido pela inflação. Além disso, a contratação de novos servidores tem várias restrições. Isso pode atrapalhar a prestação de serviços públicos?
Postal - No final do ano, foram aprovados dois novos planos dos servidores, tanto do Tribunal de Justiça (TJ), como do Ministério Público (MP). O TCE, a Defensoria Pública e a Assembleia Legislativa têm projetos que esperamos serem incluídos neste processo também, para serem votados ainda em 2022. Logicamente, isso será conduzido dentro do plano de adequação. Cada um dos poderes e órgãos autônomos pode dar a sua cota de sacrifício, que, aliás, já estamos dando. Já foi tirada uma série de vantagens do funcionalismo público, como os triênios, quinquênios, averbação por tempo de serviço, que eram somadas ao salário. Isso foi extinto nas reformas que foram feitas. Então, todos temos que pensar que é melhor fazer o sacrifício agora, para poder ajeitar a casa e, logo ali adiante, prospectar um futuro melhor. Não adianta não fazermos a nossa parte e, daqui a alguns anos, faltar dinheiro para pagar o salário de cada órgão ou de cada poder.
JC - Há uma preocupação em relação à prestação de serviços, como saúde, educação e segurança, em que há déficit de pessoal. Não há risco para a prestação desses serviços, digamos, em uma cidade do Interior...
Postal - Não acredito que isso possa acontecer, porque os orçamentos são os mesmos. Cada prefeito vai trabalhar dentro do seu orçamento e vai ter que se adequar. Casos extraordinários, que não existem hoje, deverão ser reanalisados em cada época. Afinal, pelo que me consta, há folgas dentro desse projeto (que institui as regras do RRF) que preveem períodos para readequação (das medidas de ajuste). Em um país em desenvolvimento como o nosso, não tem como prever o que estará acontecendo em dez anos. Acredito que, no meio dessa caminhada (de vigência do RRF), terão que ser feitos reequilíbrios.
JC - Provavelmente, os próximos governadores terão que reavaliar essa questão das contratações em algum momento?
Postal - Sem dúvida. O momento que estamos vivendo agora é um, mas, daqui a cinco ou dez anos, pode ser que o País entre em uma onda de crescimento, o que é possível por sermos uma nação de terras continentais, com água doce, clima favorável etc.
JC - Com o RRF e as reformas que já foram feitas, a dívida do Estado com a União é pagável?
Postal - Creio que sim. A dívida tem que ser pagável. Em tese, um órgão público nunca vai à falência. Então, o que ele deve fazer é fechar a torneira de gastos. Esse programa faz com que a gente tenha uma contenção, alguns sacrifícios a mais do que em outras épocas, quando se gastou demais. Cada um de nós precisa dar a sua cota de colaboração. Sou totalmente favorável à adesão ao RRF. É uma saída. O Estado está equalizando as contas para que possamos ser autossuficientes novamente.
JC - O RRF determina que as medidas de ajuste fiscal serão fiscalizadas pelo Conselho de Supervisão, que é um colegiado composto por um membro indicado pelo Ministério da Economia, um pelo Tribunal de Contas da União e outro pelo governo do Estado. Como fica a atuação do TCE?
Postal - O TCE continuará fazendo a fiscalização das contas dos jurisdicionados, que são todos os municípios, as Câmaras de Vereadores, o governo estadual e demais órgãos do RS. Essa é a nossa tarefa, somos um órgão de fiscalização administrativa.
JC - As privatizações foram iniciadas na administração Sartori, quando o senhor era líder do governo, e se concretizaram na gestão Leite. Entre as estatais já vendidas estão a Companhia Estadual de Energia Elétrica e a Companhia de Gás do Rio Grande do Sul. Estão em processo de venda a Corsan e a Companhia Riograndense de Mineração. Como avalia essa transição, que envolveu mudanças na Constituição gaúcha, discussões polêmicas etc?
Postal - É um momento que a nação passa, em que os governantes acabaram entrando em uma nova fase, na qual o RS também considerou importante fazê-lo. Os serviços que são obrigação direta do Estado, que podem ser feitos através de concessão, o governo tem optado por esse caminho. Não só aqui no RS, mas em todos os estados brasileiros. A Europa passou por isso. Creio que seja uma fase em que estamos experimentando a venda de ativos do Estado. Isso vem ao encontro do que o governador tem realizado, fruto dessas vendas: o investimento em diversas áreas, como o Programa Avançar, que tem distribuído esses recursos (das privatizações) pelo Estado.
JC - O senhor avalia como positiva a privatização dessas estatais...
Postal - Se tivermos uma empresa que fornece energia elétrica com eficiência, por que o Estado precisa ser proprietário de uma estatal de energia? Por que o Estado, que precisa aumentar a malha de distribuição de gás, vai investir nisso se a iniciativa privada pode fazer? No meu ponto de vista, o que não pode privatizar é a educação, a saúde, e a questão do meio ambiente, no que diz respeito à fiscalização. O Estado deve ser o indutor nessas áreas.
JC - No caso da Corsan, o grande dilema parece ser como a regionalização vai funcionar. Também existem algumas incertezas em relação ao órgão responsável pela fiscalização dos serviços de água e esgoto. Como avalia essa privatização?
Postal - Não temos ainda uma conclusão. O próprio conselheiro Cezar Miola deu uma cautelar em cima de algumas das questões da privatização da Corsan. Estamos esperando as explicações (do governo) para o desfecho disso. Acho que cada município configura uma questão distinta. Muitos municípios gaúchos nem têm Corsan, são empresas locais, poços artesianos (que viabilizam os serviços de água e esgoto). De qualquer forma, a Corsan é muito cara para todos nós, gaúchos, porque ela tem uma questão social muito forte: ela tira dos municípios que fazem maior contribuição e acaba alocando naqueles que têm menos (condições de contribuir). Através dessa organização, ela leva água para muitas cidades que não teriam como fazer aquele investimento. Esse aspecto do subsídio cruzado é a grande questão. De todas as privatizações, é a mais delicada.
JC - Além das privatizações, temos possivelmente o maior volume de concessões de estradas...
Postal - Hoje a maioria das rodovias que têm uma melhor qualidade são aquelas que são concedidas, o Estado não consegue dar aquela manutenção ou fazer novas estradas. Quando concede, aí há o investimento. Na maior parte do mundo, a manutenção de rodovias é feita por concessões. O Estado conseguiu destravar algo que não se conseguia (as concessões). Como fui secretário dos Transportes (na gestão do ex-governador Germano Rigotto, MDB, 2003-2006), posso dizer que é difícil fazer bloqueios em certas rodovias, porque há muitos desvios, dificultando a canalização do tráfego no ponto de pedágio. Então, isso necessita de um bom planejamento para que as empresas se sintam atraídas pelo negócio. Mas a concessão de estrada é algo positivo, nunca ouvi alguém que fosse contra, por exemplo, à concessão da Freeway. No período que a Concepa perdeu o contrato, e a estrada ficou sem administração, em poucos meses, já estava cheia de buracos. Disso ninguém gostou.
JC - A fiscalização das concessões fica com o TCE ou a Agergs?
Postal - Quando é uma estrada concedida, ela sai do domínio do TCE, quem fica responsável é a Agergs, que é a agência reguladora.
JC - Quais os planos na presidência do TCE?
Postal - Temos várias ações que queremos evoluir e realizar nos próximos anos. Por exemplo, pretendo introduzir um laboratório de análises de obras públicas e de obras rodoviárias, que demandará a compra de alguns equipamentos. Aliás, isso estará descrito dentro desse projeto (do Plano de Recuperação Fiscal) do governo no Estado que será encaminhado à Secretaria do Tesouro Nacional.

Perfil
Alexandre Postal nasceu em Guaporé, em 26 de abril de 1962. Foi presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 2013. Foi eleito para cinco mandatos consecutivos de deputado estadual pelo MDB, partido no qual milita desde a época do movimento estudantil, quando tinha 16 anos. Foi eleito prefeito de Guaporé em 1988, aos 26 anos, tendo presidido a Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste (Amesne). Presidiu a União Nacional dos Legislativos Estaduais (Unale) em 2003 e 2007. Também foi tesoureiro da Unale. Foi secretário estadual dos Transportes entre junho de 2004 e abril de 2006, no governo de Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006). Entre 2003 e 2004, foi líder do governo Rigotto na Assembleia. No início da gestão de José Ivo Sartori (MDB), Postal também foi líder do governo, participando das primeiras discussões do Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Em 2016, foi indicado por Sartori para ser conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Em dezembro de 2021, assumiu a presidência do TCE, cargo no qual deve permanecer ao longo deste ano.

   

 

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