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Colchão de capital anticíclico deveria estar acionado, aliviando alta da Selic

Escrito por Bráulio Borges para o site FGV IBRE30 de Jan de 2025 às 15:25
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Seguindo as recomendações de Basileia 3, Brasil instituiu colchão anticíclico de capital adicional em 2015. Ele já deveria estar acionado há alguns trimestres, aliviando alta da Selic e o impacto desta nas contas públicas.

O Banco Central do Brasil deu início a um novo ciclo de aperto da política monetária em meados do ano passado, aumentando o grau de contracionismo da política monetária brasileira - que desde meados de 2021 está em terreno desestimulativo, isto é, a Selic efetiva está acima da Selic neutra.

A figura acima indica que a elevação recente da Selic pelo BCB é coerente com a prescrição “teórica” dada por diversas regras de Taylor, em um contexto no qual: i) as expectativas de inflação estão se descolando, para mais, do centro da meta; ii) o hiato do produto atingiu terreno positivo recentemente, após se situar em campo negativo entre meados de 2015 e meados de 2024; e iii) a taxa de juros neutra nominal subiu em cerca de 1 p.p. nos últimos trimestres, refletindo tanto a inflação esperada mais alta como uma elevação de cerca de 0,5 p.p. da estimativa de juro real neutro.

Ainda assim, a prescrição da regra de Taylor deve ser vista com cautela, não somente porque a política monetária não é conduzida de forma “mecânica”, mas, também, porque essa função de reação é estimada tendo como base os desvios das expectativas do mercado para a inflação, para o período 12 meses à frente. O mais adequado seria considerar as projeções de inflação da própria autoridade monetária. Além disso, com a mudança para a sistemática de metas contínuas a partir de 2025, o horizonte relevante deixa de ser os 12 a 18 meses à frente utilizados até recentemente, passando cada vez mais para algo situado entre 18 e 24 meses à frente.

No mais, convém assinalar que a lógica por detrás da regra de Taylor é uma em que o BCB utilizaria apenas um instrumento, a taxa de juros básica, para atingir os objetivos de manter a inflação em torno das metas e suavizar os ciclos econômicos/fomentar o pleno-emprego (o Brasil passou a adotar um segundo objetivo, secundário, a partir de 2021). Contudo, há outros instrumentos que podem ser utilizados para isso, como políticas quantitativas não convencionais (muito utilizadas pelos países avançados nos últimos 15 anos) e as chamadas medidas macroprudenciais.

As medidas macroprudenciais, embora mais focadas na promoção da estabilidade financeira (um terceiro objetivo do BCB, necessário para que a política monetária seja efetiva), também geram efeitos sobre a demanda agregada – e, portanto, podem substituir, até certo grau, a taxa Selic. Embora tenham efeitos menos abrangentes do que a Selic, as medidas macroprudenciais podem impactar a economia mais rapidamente, além de gerarem efeitos colaterais menos negativos sobre as contas públicas (em um contexto no qual praticamente metade do endividamento público brasileiro é pós-fixado, indexado à Selic).

Nesse contexto, é importante notar que o BCB já poderia estar utilizando ao menos uma medida macroprudencial nos últimos trimestres. Trata-se do chamado “colchão de capital anticíclico”, que corresponde a uma exigência adicional de capital das instituições financeiras em momentos em que a expansão do crédito é muito forte.

Esse colchão corresponde a um dos aprimoramentos introduzidos no âmbito de Basileia III, sendo conhecido, em inglês, como “Countercyclical Capital Buffer” ou “CCyB”. No fundo, trata-se de uma espécie de “estabilizador automático” dos ciclos econômicos, tal como vários outros presentes na política fiscal (diferimento de impostos em caso de prejuízo, seguro-desemprego etc.).

A figura abaixo, obtida no BIS, aponta que, no caso brasileiro, esse instrumento existe desde o final de 2015 e não está acionado atualmente (na verdade, nunca foi).

 

Não obstante, o indicador que deveria ser utilizado como baliza para acionamento do CCyB – o chamado hiato do crédito – está em terreno claramente positivo no caso brasileiro há diversos trimestres (como aponta a figura abaixo, obtida no Relatório de Estabilidade Financeira mais recente do BCB, publicado no final de novembro de 2024), sinalizando que o colchão já deveria estar acionado e sendo apertado na margem, já que esse hiato está “abrindo”.

 

 

O BCB não é muito claro sobre as razões de não ter acionado o CCyB, apenas sugerindo que a grande contribuição para esse hiato da expansão do crédito via mercado de capitais, que estaria crescendo de forma mais estrutural e não conjuntural, seria um fator para relativizar o hiato do crédito bastante positivo nas últimas leituras, justificando, assim, o não acionamento dessa medida macroprudencial.

Contudo, o problema em insistir em utilizar somente a Selic para gerenciar a demanda agregada é que, na medida em que a potência desse instrumento em termos da capacidade de desinflacionar a economia brasileira caiu na última década – como foi apontado pelo economista Demian Fiocca em artigo recente no Valor -, a dosagem de aperto necessário do juro básico acaba sendo maior, com rebatimentos óbvios sobre as contas públicas.

E isso se torna ainda mais dramático no contexto atual, em que o endividamento público já é bastante elevado e no qual a meta de inflação foi calibrada em 3%, valor excessivamente baixo para o caso brasileiro, aumentando nossa vulnerabilidade à possibilidade de entrar em um quadro de dominância fiscal – como tem sido alertado há anos pelo economista Aloísio Araújo, da FGV, que estima que a meta de inflação ótima para o Brasil hoje seria de 4% a 4,5%.

   

 

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