ALERTA – PEC 438/2018 ESCANCARA O PRIVILÉGIO DA DÍVIDA PÚBLICA, RELAXA A “REGRA DE OURO” DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INCLUI O ESQUEMA DA “SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS PÚBLICOS” NO TEXTO CONSTITUCIONAL E PREVÊ ATÉ DEMISSÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS, ENTRE OUTROS ABSURDOS
Maria Lucia Fattorelli
O texto da PEC 438/2018 escancara de forma explícita o privilégio dos gastos financeiros ao determinar que os recursos vinculados (os que a Constituição vincula à Saúde, Educação, Seguridade Social entre outros) que não chegarem a ser gastos, sejam destinados ao pagamento dos juros da dívida nunca auditada integralmente, como manda a Constituição.
Diz a PEC 438/2018:
g) o saldo positivo de recursos vinculados, apurado nos orçamentos fiscal e da seguridade social da União, com exceção daquelas correspondentes à repartição de receitas com os demais entes da Federação e ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, será destinado ao pagamento do serviço da Dívida Pública;
O texto da PEC 438/2018 relaxa a REGRA DE OURO (Art. 167, III), a qual impede a contratação de nova dívida pública para pagar despesas correntes (despesas com a manutenção do Estado, serviços públicos prestados à população e juros da dívida pública). Dessa forma, só podem ser emitidos novos títulos para pagar despesas de capital (investimentos e amortizações da dívida pública).
Essa regra já vem sendo burlada em relação ao pagamento dos juros da dívida pública, que têm sido, em grande parte, contabilizados como se fosse amortização, exatamente para fugir a essa regra, como denunciado pela Auditoria Cidadã da Dívida desde a CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010 (veja).
O quadro a seguir mostra que, apesar das “amortizações” gigantes feitas ano a ano, o estoque da dívida aumenta exponencialmente, pois não se trata de amortização, mas sim juros! Apenas uma parte dos juros é registrada como juros e outra parte é registrada como “amortização”. Isso vem acontecendo porque não tem sido aprovada, anualmente, o necessária lei que autorizasse expressamente a emissão de novos títulos da dívida para pagar juros, como determina o Art. 167, III, da Constituição Federal, que a PEC 438/2018 pretende relaxar.
O texto atual da chamada “Regra de Ouro” diz:
Constituição Federal
ART. 167 – SÃO VEDADOS:
…
III – a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;
O texto proposto pela PEC 438/2018 relaxa essa regra:
PEC 438/2018
ART. 167 – SÃO VEDADOS:
…
III – a realização, no âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social, de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, nos termos de lei complementar; ……………………………
Com esse texto da PEC 438/2018, deixa de existir a obrigatoriedade de aprovação de lei específica, por maioria absoluta, para a realização de operação de crédito que exceda as despesas de capital, facilitando a emissão de títulos e possibilitando o crescimento exponencial da dívida pública.
O texto proposto pela PEC 438/2018 ainda restringe a vedação ao “âmbito dos orçamentos fiscal e da seguridade social”, abrindo espaço para o esquema da “Securitização de Créditos Públicos”, pois nesse esquema a operação de crédito ilegal acontece POR FORA DOS ORÇAMENTOS PÚBLICOS ( ver aqui e aqui, entre outros materiais).
A PEC 438/2018 insere o esquema da “Securitização de Créditos Públicos” no art. 115, II, e, item 2 de seu texto, acrescentando ainda, no § 3º do mesmo artigo, que a cessão onerosa dos créditos não configuraria dívida, o que é mentira, conforme manifestação de diversos órgãos de controle e também fartamente comprovado durante os trabalhos da CPI da PBH ATIVOS S/A em Belo Horizonte, que teve acesso aos contratos, escrituras e documentos referentes a esse modelo de negócios e comprovaram cabalmente a assunção de garantias públicas e até indenizações pelo ente federado (veja).
O texto proposto pela PEC 438/2018 diz:
Art. 115 – …
II – …
e) o Poder Executivo enviará no prazo previsto no inciso I, alínea b, deste artigo, proposições legislativas referentes a:
…
2. alienação de ativos, que poderá incluir a cessão onerosa dos direitos originários de créditos tributários e não tributários inscritos em dívida ativa.
…
§ 3º A cessão onerosa de que trata o inciso II, alínea e, item 2, deste artigo, não configurará dívida do ente público ou concessão de garantia por ele, e preservará a natureza do crédito de que tenha se originado, mantendo as garantias e os privilégios desse crédito, nos termos da lei.
No caso concreto analisado por CPI da PBH ATIVOS S/A, o “Ativo vendido” foi o fluxo da arrecadação tributária do Município de Belo Horizonte, porém, em condições onerosíssimas, pois em troca dos R$ 200 milhões recebidos, o Município de Belo Horizonte se comprometeu entregar um volume de fluxo de arrecadação de R0,32 milhões + IPCA + 1% ao mês!
A terminologia “venda de direitos originados” esconde que o que está sendo vendido é o fluxo da arrecadação tributária .
Essa venda do fluxo da arrecadação tributária do Município de Belo Horizonte foi formalizada por meio de “Contrato de Cessão Fiduciária de Direitos Creditórios, Vinculação de Receitas e Outras Avenças” e as garantias e indenizações assumidas pelo Município de Belo Horizonte e encontram-se detalhadas em outro contrato, denominado “Contrato de Custódia de Recursos Financeiros e Administração de Contas Vinculadas”, conforme contratos oficiais obtidos durante a CPI da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Ademais, essa cessão onerosa configura dívida pública, conforme já refutado por diversos órgãos de controle, pois configura práticas flagrantemente inconstitucionais e lesivas, já adotadas por alguns entes federados e que vêm causando enormes prejuízos ao erário público e a gerações atuais e futuras, como alertado pelo Tribunal de Contas da União (TC 043.416/2012-8) e Ministério Público de Contas (TC 016.585/2009-0), a serem seriamente agravados no caso de aprovação dessa PEC 438/2019, ou do PLP 459/2019.
Diversos órgãos de controle regionais também têm questionado o teor da “engenharia financeira” da chamada “Securitização de Créditos Públicos” mediante cessão de fluxo de arrecadação (de que trata a PEC 438/2018 e o PLP 459/2017), a exemplo dos Tribunais de Contas de Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.