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Acordo da dívida em 1998 foi lesivo ao Rio Grande do Sul, dizem auditores

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Escrito por Marco Weissheimer -Fotos: Guilherme Santos/Sul2101 de Set de 2015 às 12:24
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Acordo da dívida em 1998 foi lesivo ao Rio Grande do Sul, dizem auditores.
 
 

A iniciativa do governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, de ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) para pedir uma revisão geral do atual contrato da dívida do Estado com a União carrega uma ironia histórica. O contrato em questão foi firmado em outro governo do PMDB, em 1998. Além disso, dois anos antes, em 1996, o então governador Antônio Britto assinou um contrato de refinanciamento da dívida do Estado com o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que chegou a ser apontado como a solução definitiva para a crise financeira do Estado que estaria pronto, assim, para ingressar em um novo ciclo de desenvolvimento. José Ivo Sartori, na época, era deputado estadual. Como parlamentar, presidiu a Assembleia Legislativa e foi líder do PMDB no governo Britto.
Os acordos da dívida, firmados naquele governo, ganharam dezenas de manchetes positivas na época. Entre os dias 20 e 22 de setembro de 1996, o jornal Zero Hora saudou o acordo de refinanciamento da dívida firmado por Britto com a União como a solução para o problema da dívida do Rio Grande do Sul. Na edição do dia 21 de setembro, a manchete de ZH destacava: “Rio Grande liquida a dívida”. A principal foto da capa mostrava Britto e o então ministro da Fazenda Pedro Malan, sorridentes, comemorando o acordo que, segundo ZH, estaria “limpando a ficha dos gaúchos”. O editorial de ZH, de 22 de setembro de 1996 afirmava: “O refinanciamento da dívida do governo do Rio Grande do Sul, cujo total chega a R$ 8 bilhões, mereceu consideração especial (do governo FHC) por conta dos esforços do governo gaúcho para reduzir os gastos de rotina na administração, em particular aqueles de pessoal. O Rio Grande foi pioneiro na implantação de um programa de demissões voluntárias”.

O que deu errado?
O jornalista José Barrionuevo, principal colunista político do jornal Zero Hora na época, escreveu na edição de 22 de setembro de 1996: “A renegociação da dívida obtida pelo governo Britto liberta o Estado do maior obstáculo ao seu desenvolvimento (…) É uma obra que restabelece o crédito e a credibilidade do Rio Grande, com reflexos nas próximas administrações. Graças à reforma do Estado, considerada modelo pela imprensa nacional, o RS é o primeiro a renegociar a dívida. Não poderia haver data mais oportuna para o anúncio do que o dia em que se comemora a Revolução Farroupilha”.
Quase duas décadas depois, o governador José Ivo Sartori vem a público dizer que o Rio Grande do Sul está entrando em um processo de crise humanitária em função do endividamento do Estado. Considerando as manchetes ufanistas da década de 1990, o que saiu errado, então, de lá para cá? O seminário regional “A corrupção e o sistema da dívida”, promovido pela Auditoria Cidadã da Dívida e por um conjunto de sindicatos de servidores públicos, discutiu essa questão, sexta-feira à tarde, no auditório da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O Movimento da Auditoria Cidadã da Dívida Pública tem denunciado a existência de um Sistema da Dívida estruturado par manter uma drenagem permanente de recursos públicos para o sistema financeiro e defende uma auditoria dessas dívidas para expor esses mecanismos à sociedade.

“Acordo de 1998 foi altamente lesivo ao Estado”
Na avaliação da Auditoria Cidadã da Dívida, o atual contrato da dívida, firmado em 1998, no governo Antônio Britto, foi altamente prejudicial para o Rio Grande do Sul, retirando do Estado a autonomia financeira e administrativa prevista na Constituição Federal. Essa perda de autonomia foi denunciada, em 1999, em um trabalho de auditoria realizado pelos auditores externos do Tribunal de Contas do Estado, que criticaram os termos do contrato. A lei federal n° 9.496/1997 obrigou os Estados a alinharem sua gestão às diretrizes da União, que passou a intervir na gestão financeira dos Estados por meio do estabelecimento de metas a serem cumpridas, entre elas a privatização de empresas públicas e o corte de investimentos em serviços essenciais como saúde, educação e segurança.
A gênese do refinanciamento da dívida dos Estados está no compromisso firmado pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997 com o Fundo Monetário Internacional (FMI), assinalou Maria Lúcia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida. “O refinanciamento da dívida com a União foi um esquema bem pensado, onde os bancos públicos pararam de refinanciar as dívidas dos Estados que foram obrigados a adotar planos de ajuste fiscal, programas de privatização de patrimônio público e assunção de passivos de bancos”, lembrou. O Banrisul foi um dos poucos bancos estaduais a escapar da privatização, o que, só ocorreu, pela derrota de Antônio Britto nas eleições de 1998. Todo esse processo foi marcado, acrescentou Fattorelli, por um crescente avanço de concessões ao sistema financeiro, que prossegue até hoje.


A corrupção institucionalizada do Sistema da Dívida
A lógica desse Sistema da Dívida, disse ainda a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã, é o mesmo no Rio Grande do Sul, no Brasil e na Grécia. Essa lógica, segundo Fattorelli abriga a grande corrupção que deve ser combatida, perto da qual, as denúncias envolvendo desvios na Petrobras, por exemplo, representam, comparativamente, uma gota d’água. “A corrupção institucionalizada do Sistema da Dívida é o grande problema a ser enfrentado. Há um mesmo esquema em funcionamento em todos os casos de endividamento público: a utilização do endividamento como mecanismo de subtração de recursos públicos que deveriam estar sendo utilizados para investimentos. Há todo um sistema legal que dá suporte a algo que é abertamente inconstitucional. A corrupção é essencial para o sistema da dívida, não só porque ele é corrupto em si, mas porque ela desvia o foco da grande corrupção institucionalizada desse sistema”, assinalou.
E citou como exemplo desse desvio de atenção o que aconteceu em 2009 quando foi realizada uma CPI da Dívida Pública no Congresso Nacional. “Alguém ouviu falar dessa CPI? Muito pouca gente, mas quase todo mundo acompanhou a CPI do Cachoeira que, no mesmo período, tratou de um desvio de 100 mil reais”. Para Fattorelli, esse sistema da dívida não traz só um dano financeiro para a sociedade, mas justifica um modelo baseado nas privatizações, no desmantelamento do Estado e na transferência permanente de recursos públicos para o sistema financeiro. “Há um planejamento de longo prazo no sistema da dívida que atravessa diferentes governos. Por meio dele, o poder financeiro domina os poderes políticos na maioria dos países, independentemente do governo que seja eleito”.

“O empréstimo de 1998 já foi pago”
Josué Martins, auditor do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul e diretor-presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do TCE/RS (CEAPE), reforçou como a dívida do Rio Grande do Sul está ligada a esse Sistema da Dívida. “O Plano Real trocou o controle da inflação pelo super-endividamento do setor público. O contrato de 1998 se insere nesta lógica e foi muito prejudicial ao Rio Grande do Sul que teve perda de autonomia de gestão sobre as próprias finanças, diminuição da capacidade de investimento e de custeio do Estado. Antes de 1998, a média de comprometimento da Receita Líquida Real do Estado era de 8%. No período entre 1998 e 2014, essa média praticamente dobrou subindo para 15,9%”.
Os termos negociados pelo contrato de 1998, assinalou ainda Josué Martins, seguem, com algumas pequenas variações, governando o Rio Grande do Sul até hoje. Segundo as contas da Auditoria Cidadã, o “empréstimo” de R$ 26,9 bilhões concedido pela União ao Estado naquele ano já foi pago. “Em valores corrigidos, foram pagos R$ 29,7 bilhões e ainda devemos R$ 47,1 bilhões. Ou seja, já pagamos R$ 2,8 bilhões a mais que o valor emprestado e estamos devendo 1,75 vezes esse mesmo valor. O contrato firmado se transformou numa grande agiotagem”, conclui a Cartilha da Dívida Pública do RS, elaborada pela Auditoria Cidadã. Para Martins, a mudança do indexador da dívida, definida pela Lei Complementar nº 148/2014, não enfrenta os problemas centrais do atual contrato da dívida, mas representa um avanço ao admitir o IPCA como índice de correção e abre uma brecha que pode favorecer o questionamento da lógica do contrato como um todo, levando esse debate para toda a sociedade.

   

 

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