Tribunais de Contas: por que indicações políticas?
“Os servidores das cortes de Contas entendem que este modelo, vigente há mais de 115 anos, está superado e deveria sofrer um amplo processo de reformulação e reestruturação”
Marcelo Henrique Pereira*
Tribunais de Contas (TCs) são instâncias de apreciação e julgamento de atos e contas públicas. Constituem uma espécie de jurisdição especial, de caráter administrativo, mas no desenho republicano estão dissociados do Poder Judiciário. Executam ações para auxiliar o Poder Legislativo e estão alinhados na estrutura do Poder Executivo. Talvez por isso, haja muita confusão e desinformação, sendo que os cidadãos em grande número não conhecem o que fazem, para que servem e como são compostos os TCs.
Uma questão em relação aos TCs é relevante, considerando o panorama geral atual da administração pública brasileira: a composição. A regra constitucional básica aponta para o provimento por indicação política para a composição dos tribunais. Na União (TCU), os nove ministros são indicados pelo Parlamento (dois terços) e pelo presidente da República (um terço).
As escolhas parlamentares e uma das vagas do governo são de livre escolha e recaem, com frequência, sobre políticos com mandato ou ex-políticos (que atuaram seja no Executivo, seja no Legislativo), sendo que, em muitos casos, não há qualquer especialização do escolhido. Apenas duas vagas são vinculadas, recaindo sobre ministros substitutos ou procuradores de contas, alternadamente. Nos estados, DF e municípios, as vagas são sete, igualmente distribuídas entre Parlamento e Executivo, naquela proporção.
Os servidores das cortes de Contas entendem que este modelo, vigente há mais de 115 anos, está superado e deveria sofrer um amplo processo de reformulação e reestruturação, sobretudo porque deveria estar voltado a contemplar a formação técnico-profissional, a meritocracia da carreira exclusiva de Estado e a perspectiva de erradicação de influências partidárias e econômicas sobre a atuação e as decisões dos TCs. Para isso, referidos servidores propuseram, em 2007, uma proposta de emenda à Constituição (PEC 75/07), por meio da deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), em texto que prevê a completa mudança no processo de investidura e, também, na permanência dos ministros/conselheiros na função.
Hoje, após nomeados por critérios políticos, os ministros/conselheiros gozam de vitaliciedade e permanecem, em regra, vários anos sucessivos, chegando até a duas décadas ou duas décadas e meia, até a aposentadoria compulsória (70 anos). Com o novo modelo previsto na referida PEC, os ministros e conselheiros teriam mandato de três anos, sem a possibilidade de recondução, bem como a escolha dos nomes deverá recair sobre servidores efetivos, com lapso temporal de atividade (dez anos), no próprio tribunal (TCU), entre outras exigências técnico-profissionais, mantendo-se a diretriz relativa à origem/competência da seleção, sendo 1/3 escolhido pelo presidente da República e 2/3 pelo Congresso, dentre nomes de lista tríplice eleita pelos servidores da base.
As regras, após aprovadas, em sede constitucional com aplicação direta ao Tribunal de Contas da União seriam repetidas nas constituições estaduais e leis orgânicas distrital e municipais, pelo princípio da simetria, no qual estados, Distrito Federal e municípios devem organizar-se à imagem e semelhança da União. Assim, todas as nomeações futuras para as cortes de Contas atenderiam o critério da natureza técnica, da especialização da função e da pertinência em relação à atuação como julgadores de contas públicas.
A nova regra prevista, assim, tem inspiração na especialização da jurisdição e guarda correlação com a própria estrutura funcional do Poder Judiciário, já que neste, contemplados os diversos tribunais existentes, a regra básica de investidura é o concurso público, de vez que os juízes (assim como os auditores dos TCs) são selecionados inicialmente em certames de provas e títulos e, depois, podem ascender para os tribunais superiores, por processo de seleção interna, mediante determinados critérios.
No caso das cortes de Contas, compreendendo atividades de natureza de magistratura de contas, calcadas na especialização da função judicante, o único diferencial em relação àqueles seria o fato de que no Judiciário, há a vitaliciedade e nos Tribunais de Contas, os ministros e conselheiros atuariam por mandato, justamente para permitir uma maior oxigenação dos órgãos e a desejável rotatividade no exercício das funções de controle, um modelo que seria testado, com boas perspectivas de sucesso e êxito.
Vale dizer que os concursos, concorridos e com a profundidade de exigência de conhecimentos especializados, têm propiciado uma criteriosa seleção dos “mais aptos” para o desempenho de dadas competências, não havendo, no sistema seletivo, outra regra mais competente para a designação de agentes públicos. E os certames para a seleção de carreiras típicas de Estado, como é a da fiscalização e controle públicos, têm sido elaborados de modo criterioso, qualificando-se como dentre os mais concorridos na atualidade, resultando no ingresso de excelentes profissionais de formação, os quais, bem treinados e capacitados, têm prestado relevantes serviços à Sociedade.
De modo geral, quando consultados sobre a qualidade dos servidores dos TCs, os administradores das cortes de Contas, ministros e conselheiros têm destacado a excelência de seus quadros. É hora, então, de avançar, premiando e contemplando tal qualidade, na composição dos quadros julgadores dos TCs.
Tal configuração, portanto, configura-se como ágil, moderna, arejada, que busca a eficiência, a eficácia e a efetividade da atividade de controle público, afastando por completo a ingerência de dadas instâncias (político-partidárias e privadas) no exercício das competências de auditoria e fiscalização, para que o controle público tenha, ao final, os melhores e desejáveis resultados no combate à corrupção, na excelência de serviços e obras públicos e no atendimento às necessidades sociais.
*É presidente da Federação Nacional das Entidades de Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc), auditor fiscal, advogado e consultor de políticas públicas. É perito ambiental, doutorando em Direito (Universidade Católica de Santa Fé, Argentina), mestre em Ciência Jurídica (Univali), especialista em Administração e Auditoria (UDESC) e graduado em Direito (UFSC). Professor universitário, é autor de Túnel de Relacionamentos e co-autor de Comentários ao Estatuto do Idoso e Alteridade: A diferença que soma.