No último dia 07 de agosto foi promovido no Plenarinho da Assembleia Legislativa Gaúcha o Seminário sobre a Dívida do Rio Grande do Sul com a União, cujo objetivo foi o lançamento da Campanha “A Conta Está Paga”.
Pretendeu-se explicitar para a sociedade rio-grandense as origens dessa dívida, as razões de seu crescimento, a lógica interna do contrato e suas alterações e as contas que nos levam a afirmar que a mesma já está paga.
Posteriormente, em 13 de agosto, houve mais uma reunião de conciliação no STF, no âmbito da ação judicial patrocinada pela OAB e um conjunto de entidades associadas como “amigas da causa”. Esta foi a segunda reunião e ainda não se tratou da questão central: a dívida em si. A União segue tratando de postergar o enfrentamento da matéria. O governo do Estado age na mesma direção.
Em 14 de agosto foi votado no Senado Federal um Projeto de Lei Complementar que representa mais um empacotamento do assunto: ele consolida os saldos devedores, fixa a exigência do estabelecimento de um teto de gastos e condiciona a redução dos juros (podendo ir a zero), mediante o investimento dos valores, equivalentes a 4% do saldo devedor anual corrigido, em áreas definidas no Projeto. Ainda precisa ser examinado na Câmara dos Deputados, onde pode sofrer alterações.
Tal Projeto de Lei, ademais, trata de prorrogar o contrato da dívida do RS para 2054. Ou seja: os mesmos trinta anos do prazo original assinado em 1998! Em outras palavras, trata-se, novamente de uma dívida eterna!
Mas, como surgiu a dívida do RS com a União?
Segundo cálculos da Secretaria da Fazenda/RS, tomando-se valores atualizados para dezembro de 2023, nos 24 anos do período que vai de 1970 a 1994, a dívida do RS cresceu R$ 1,74 bi/ano, saindo de um patamar de R$ 3,68 bilhões para R$ 45,32 bilhões. Entre 1994 e 1998, nos primeiros quatro anos do Plano Real, ela cresceu R$ 13,86 bi/ano. Ou seja, cresceu exatos 122% nesses quatro anos!
O salto brutal ocorrido no período, que trouxe o montante para os R$ 100,74 bilhões, pode levar um observador ingênuo a afirmar: ora, os gaúchos gastaram mais do que arrecadaram e por isso, tiveram que ampliar o seu endividamento.
Essa afirmação não poderia ser mais inverdadeira.
Nesses quatro anos, não entrou dinheiro novo nos cofres do Estado. Como a maior parte da dívida era em títulos públicos estaduais o crescimento da SELIC no período, que também foi de 122%, levou ao crescimento do estoque da nossa dívida, determinando a crise por mecanismos estritamente financeiros, dissociados do mundo da produção e em prejuízo da própria capacidade do investimento público financiado por essa via.
Diante da política econômica adotada pela União para conter a inflação, decorrente do Plano Real, nossa dívida cresceu absurdamente. De 1999 em diante, já firmado o contrato com a União (trocamos os títulos de nossa dívida no mercado pelo contrato com a União), a dívida se manteve num patamar elevado, jamais baixando aos níveis anteriores ao Plano Real.
Uma das graves consequências daquele acordo original foi a diminuição da capacidade de o RS efetuar investimentos públicos nos montantes requeridos para o desenvolvimento do Estado. Outra, foi a alienação de patrimônio público importante para esse mesmo desenvolvimento, em especial nas áreas de telecomunicações, energia e saneamento. O contrato original e suas alterações contêm metas nesse sentido.
Tratou-se, assim, de condicionar a política econômica do RS aos interesses do rentismo. Vale lembrar que, por determinação legal (art. 12, Lei 9496/97), tudo que pagamos para a União ela usa para pagar a própria dívida.
A Campanha “A Conta Está Paga” vem desde 2022 defendendo que não cabe a cobrança de juros nessa relação. Entre estados e União deve primar uma relação de parceria e solidariedade. Jamais pode haver um conteúdo negocial.
A lei que permitiu a recente renegociação da dívida em função da calamidade climática de maio deste ano admitiu juros zero. A nova lei em tramitação no Congresso Nacional também o faz. E ambas corrigem o saldo pelo IPCA.
Cálculos do TCE-RS efetuados em 2015, mais tarde confirmados pela SEFAZ-RS em 2019, dão conta de que, corrigindo o valor tomado em razão do contrato firmado em 1998 apenas pelo IPCA, sem a aplicação de juros, estaríamos com a dívida quitada em maio de 2013!
Diante desse cenário, resta, pois, a questão: considerando que a atual legislação reconhece que os juros da dívida do RS com a União devem ser zerados e que a correção do valor é pelo IPCA, qual a razão para seguirmos pagando por mais 30 anos uma dívida que, por estes mesmos critérios, já está paga?
Dívida que não demos causa e que seguirá garroteando nossa economia.
Esta é uma causa de Estado! A sociedade gaúcha precisa tomar ciência do tema e se engajar nessa luta.
*Auditor de Controle Externo do TCE-RS, Diretor do CEAPE-Sindicato, Membro da Auditoria Cidadã da Dívida Pública