Os nossos três senadores estão apoiando a iniciativa de gaúchos que querem o fim das cobranças dos juros por parte do Governo Federal e a troca do índice de correção (IGP-DI pelo IPCA). Como o senhor recebe essa iniciativa?
Cezar Miola - Considero muito importante a iniciativa, pela sensibilidade política que revela. O Senado é a casa que representa os Estados da federação, sendo louvável esse pratagonismo. Especificamente quanto aos juros, a argumentação quanto ao expurgo dessa cobrança é plausível, sobretudo, em razão do regime de cooperação que deve prevalecer na relação federativa. A remuneração do capital, mediante o pagamento de juros, é pertinente em atividades de cunho comercial, nas quais se persegue finalidade lucrativa. Contudo, essa cobrança se mostra questionável no contexto da relação entre União e Estados.
E a Constituição brasileira é clara ao estabelecer "(...) cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional" (artigo 23, parágrafo único). Por outro lado, mesmo que admitida a incidência de juros, verifica-se que "empréstimos subsidiados do BNDES custam R$ 184 bilhões à União" (Folha de São Paulo, dia 9-8-2015). A informação não deixa de ratificar outro dado alarmante:O Estado do Rio Grande do Sul paga à União encargos superiores a muitas operações de crédito contratadas por esse agente financeiro com empresas privadas.
Por fim, considero acertada a substituição do índice de correção monetária do IGP-DI para o IPCA. O IPCA é um índice oficial, no qual se baseia a política monetária, sendo utilizado inclusive para correção de salário mínimo. Dessa forma, por ser o índice utilizado nas relações com o setor público, revela-se mais adequado que o IGP-DI, que é um índice mais amplo e avalia elementos que estão fora da alçada do governo (a cesta de bens que ele apura envolve tanto atacado como varejo).
Em uma das suas manifestações, o senhor disse que a dívida é abusiva, reclamou dos juros cobrados, lembrou ainda que já foi pago mais do que se tomou emprestado. Mas o que pode ser feito para evitar isso?
Miola - Para evitar cobranças excessivas, o caminho é buscar a renegociação da dívida dos Estados junto à União, mediante rediscussão das cláusulas contratuais consideradas abusivas. Caso isso não seja alcançado, poder-se-ia então recorrer ao Poder Judiciário para buscar a revisão dos contratos.
O senhor frisou em uma das suas entrevistas que defende a mobilização dos deputados gaúchos e da sociedade para enfrentar essa situação. Acredita que questões político-partidárias estão atrapalhando essa união de forças?
Miola - O momento é de convergência e de união de forças de todos os Poderes e órgãos para fortalecer a relação federativa. Precisamos de uma ação conjunta para buscar a revisão dos contratos, adequando-se os mesmos, com isso permitindo a redução do montante da dívida dos Estados com a União.
Ninguém gosta de pagar a mesma conta várias vezes. Na sua avaliação, por que os governantes gaúchos nunca trataram de forma mais objetiva essa questão, provocando a discussão e mostrando que, dessa maneira, a dívida é impagável?
Miola - Ao longo dos anos, os governos buscaram, cada um a seu modo, soluções que permitissem uma renegociação. O que ocorre é que também essas medidas foram insuficientes. Uma dívida do tamanho dessa que o RS possui precisa ser equacionada a partir de um ajuste estrutural que envolva um compromisso maior em favor de reformas que foram sendo adiadas pela conveniência política. Para os governantes, é preciso reconhecer, sempre foi difícil equacionar o problema também em face da previsão de bloqueio das contas do Estado em caso de inadimplência. Esta é uma condição que, entretanto, parece incompatível com o próprio conceito de Federação.
O senhor citou declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, o qual critica a abusiva cobrança de juros por parte do governo federal. Em que pontos o senhor concorda com ele?
Miola - O ministro Luís Roberto Barroso é muito preciso quando trata das relações federativas, enaltecendo a lealdade, equidade e cooperação que deve haver entre os entes da federação brasileira. De fato, União e Estados têm objetivos convergentes e complementares, buscando a realização e o atendimento do interesse público. E, dessa forma, a relação entre eles não pode ser regida pela lógica privada, baseada na equação risco-lucro.
A cobrança de juros remuneratórios pelo governo federal, nesse sentido, subverteria a lógica federativa, ao impor ganho de um ente federativo sobre outro. O Ministro também destaca, com o que concordo plenamente, que o federalismo fiscal brasileiro está marcado por insuficiências e desequilíbrios, situação para a qual contribuem o centralismo tributário da União, a desoneração tributária com impactos sobre os Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios, a guerra fiscal e as obrigações de amortização da dívida com a União. A interpretação de normas e contratos entre os entes, conforme bem salienta o ministro, não pode desconsiderar essa realidade.
PAULO LANGARO
O presidente do Tribunal de Contas (TCE) do Rio Grande do Sul, Cezar Miola, é mais um gaúcho inconformado com a cobrança abusiva de juros por parte do governo federal contra o Rio Grande. Ele defende uma grande mobilização política, de instituições e da sociedade. Em entrevista ao ABC, elogiou a sensibilidade dos nossos senadores que tornaram projeto de lei uma proposta elaborada por cidadãos gaúchos. Ele também elogiou manifestação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, publicada no ABC Domingo do último dia 16, e lembrou a importância de debater publicamente esse tema.
"O Estado paga à União encargos superiores a muitas operações de crédito contratadas por esse agente financeiro com empresas privadas."
SAIBA MAIS
A proposta criada por cidadãos gaúchos e transformada em projeto pelos senadores Ana Amélia Lemos (PP), Lasier Martins (PDT) e Paulo Paim (PT) pede a troca do índice que corrige a dívida do Estado com a União, do IGP-DI, com juros de 6,17% ao ano, para
o IPCA, sem a cobrança de juros. Por esse critério, aliás, a dívida já estaria paga há muito tempo. Além disso, os cofres do Piratini teriam que receber R$ 5,5 bilhões.