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Operação Camilo: Auditoria do TCE/RS integra força-tarefa em andamento

Escrito por Leonardo Jorge Victor Nascente Ferreira*08 de Jun de 2020 às 10:03
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Auditores do TCE-RS integram força-tarefa que já identificou desvios de R$ 15 milhões na Saúde.
 
 

Uma grande investigação sobre desvios de verbas públicas, incidindo possíveis crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, organização criminosa, ocultação de bens (lavagem de dinheiro), crime de responsabilidade e desobediência, ainda está em curso no país. É a Operação Camilo, uma força-tarefa formada pela Auditoria do TCE/RS, Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Ministério Público Federal e Ministério Público do Rio Grande do Sul (GAECO – Núcleo Saúde – e Promotoria de Justiça de Rio Pardo).

A partir dos trabalhos realizados em conjunto por agentes de todas as instituições, foram cumpridos, na manhã do dia 27 de maio deste ano, 129 medidas judiciais. A deflagração da primeira fase ocorreu nos municípios gaúchos de Porto Alegre, Rio Pardo, Butiá, Canoas, Capela de Santana, Gravataí, Cachoeirinha, São Leopoldo, Guaíba, Portão, Cacequi e São Gabriel, nas cidades paulistas de São Paulo e São Bernardo do Campo, na cidade do Rio de Janeiro e em Florianópolis e São José, no estado de Santa Catarina. Foram cumpridos pela força-tarefa 61 mandados de busca e apreensão, 15 de prisão temporária, além de medidas judiciais de arresto/sequestro de bens móveis e imóveis, bloqueio de valores depositados em contas dos investigados e de empresas e afastamento cautelar de funções exercidas por cinco servidores públicos municipais. As ordens judiciais foram expedidas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e pela Justiça Estadual em Rio Pardo/RS.

Achados da Auditoria

A Auditoria do TCE/RS começou a acompanhar os possíveis desvios já em 2017, ao examinar as contas do Poder Executivo Municipal de Rio Pardo, o qual detém a “gestão plena da saúde”. Diante dos indícios, em 2018 um trabalho mais aprofundado foi estabelecido pelos auditores do Serviço Regional de Auditoria de Santa Cruz do Sul. A Equipe de Auditoria focou, em especial, o exame do Contrato de Gestão nº 01, de 13-11-2017, instrumento de Parceria Público-Social (PPS) pactuado entre o município e a Abrassi, cujo objeto delegou a gestão integral das atividades do Hospital Regional do Vale do Rio Pardo (HRVRP) à entidade do terceiro setor, qualificada como Organização Social (OS).

A Auditoria ocorrida entre 01-04-2019 e 05-04-2019 apurou um conjunto consistente de elementos com indicativos de graves irregularidades na gestão delegada do hospital, sob responsabilidade da Abrassi. Foram verificadas irregularidades como quarteirizações dirigidas e desvantajosas de diversos subsistemas de atividades (serviços de vigilância e portaria, alimentação e dietética, manutenção predial, lavanderia, limpeza e sanitização hospitalar, radiologia e exames de imagem, SAMU, entre outros, destacando-se elevado superfaturamento nos termos entabulados), embaraço dos trabalhos de fiscalização do TCE/RS, desvirtuamento dos institutos de direito público erigidos para a boa governança e compliance da Abrassi (ausência de seleção impessoal de funcionários e fornecedores, a ausência de real e efetiva participação de membro do poder público e da comunidade interessada, de notória capacidade profissional e idoneidade moral, nos conselhos superiores, remuneração indevida de membros do conselho, etc).

Diante da contundência das provas e dos fatos, o Tribunal de Contas, através da Equipe de Auditoria, buscou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, núcleo saúde (Gaeco-Saúde), do Ministério Público do RS (MP-RS), para o início de um esforço cooperado de atuação, em prol da efetividade nos serviços de controle da administração pública.

Já no primeiro contato com o MP-RS os auditores foram informados que a Polícia Federal (PF) havia instaurado um inquérito sobre possíveis fatos criminosos perpetrados na gestão do HRVRP, após o aporte de informações recebidas pela delegacia de Santa Cruz do Sul, em junho de 2018. Nesse momento os trabalhos da Polícia Federal já contavam com pedido de apoio da CGU. Ou seja, paralelamente os vários órgãos de Estado vinham executando investigações sobre os mesmos fatos.

A partir de uma reunião entre o Gaeco e a PF para o tratamento das questões levantadas pelos auditores do TCE/RS, a autoridade policial oficiou o juízo competente para o ingresso dos auditores na força-tarefa – a “Camilo”. Vale lembrar que a força-tarefa é instrumento moderno de obtenção de provas e, por conseguinte, de efetivação da responsabilização de agentes por condutas criminosas e infracionais previstas em todas as searas do direito pátrio – ou seja, na esfera penal, na civil, na improbidade administrativa e no administrativo sancionador (aqui incluídos os Tribunais de Contas). Isso porque o compartilhamento de informações e a utilização de prova emprestada são essenciais à otimização dos serviços públicos institucionalizados de controle e fiscalização, competentes a múltiplas agências de Estado, não poucas vezes em situação de concorrência.

A Camilo foi a mobilização de meios de mais de um órgão público, que se articulam para atingir metas submetidas a planejamento estratégico construído a plúrimas mãos. Os trabalhos desenvolvidos pela equipe do TCE/RS foram muitos e variados. Envolveram análises fiscais, de movimentação bancária/financeira, oitiva de importante testemunha (em conjunto com a autoridade policial federal), incontáveis reuniões na Delegacia de Polícia Federal de Santa Cruz do Sul, Requisições de Informações e inspeções in loco estrategicamente programadas, uma miríade de entabulamentos por meio do aplicativo WhatsApp, entre outras.

Atuação da OS investigada

Conforme apurado, o serviço de saúde do HRVRP foi terceirizado para uma Organização Social (OS), através de chamamento público direcionado. A instituição vencedora foi escolhida em outubro de 2017 para administrar diversos subsistemas de atividades, como serviços de vigilância e portaria, alimentação e dietética, manutenção predial, lavanderia, limpeza e sanitização hospitalar, radiologia, exames de imagem e SAMU. Uma vez contratada, a OS investigada subcontratou uma série de empresas que servem de instrumento de execução de desvio de recursos públicos, especialmente, através do superfaturamento dos valores cobrados pelos serviços prestados e pela não execução de partes de suas obrigações contratuais.

A força-tarefa identificou que a Organização Social e as empresas subcontratadas, em sua maioria, são dirigidas e pertencem, de fato, a outras pessoas que não aquelas que constam em seus contratos sociais ou atos constitutivos, com o claro objetivo de esconder a relação estreita e direta entre elas. Em verdade, trata-se de um mesmo grupo econômico, formado por diversas organizações sociais e por várias outras empresas, em sua grande maioria, subcontratadas dessas organizações.

Com a terceirização da gestão do HRVRP, o Poder Executivo de Rio Pardo abriu mão de gerir diretamente cerca de 60 milhões de reais, alocados entre 2018 e maio de 2020 à unidade hospitalar, em recursos da União e, majoritariamente, do estado do Rio Grande do Sul.

Desse valor, R$ 30 milhões foram repassados pela Organização Social às empresas subcontratadas. Até o presente estágio da investigação, a força tarefa apurou superfaturamento de valores repassados às subcontratadas no montante aproximado de R$ 15 milhões. Ainda serão auditados recursos na ordem de R$ 30 milhões aplicados pela OS através de contratos com empresas de assessoria, pagamento de funcionários, aquisição de materiais e insumos, como remédios. Desse valor, pela amostragem já analisada, a força-tarefa estima que mais 15 milhões de reais podem ter sido desviados, podendo chegar, ao final da investigação, a 30 milhões de reais o desvio de recursos, ou seja, 50% do valor pago pela União e pelo Estado à Organização Social.

Outro fato identificado pela força-tarefa, já no período de enfrentamento à Covid-19, foi o repasse de R$ 3,3 milhões à empresa ligada à Organização Social, que deveriam ser destinados à construção de dez leitos de UTI no HRVRP. As obras estão em andamento, contudo, o projeto elaborado pela OS é totalmente impreciso, sem levantamentos prévios de custos, utilizado fundamentalmente para recebimento da verba pública. A empresa contratada para executar a obra pertence ao mesmo grupo investigado.

Também ficou demonstrado o descaso da Organização Social com a saúde pública em situações como a distribuição de máscaras de proteção facial vencidas aos profissionais que trabalham HRVRP, já no curso da pandemia, e  o descarte irregular, diretamente no meio ambiente, de uma cápsula de raio-x, possivelmente contendo material químico ou radioativo. A conduta assumida pelos investigados, mesmo diante da mazela angustiante vivida por toda uma população, na leitura colegiada e unânime realizada pelos integrantes da força-tarefa, foi de grave atentado contra a saúde pública, com claro potencial de danos irreversíveis à vida humana no curto prazo. Um dos fatos mais graves foi a combinação entre o prefeito Rafael Reis Barros, o e agente contratado pelo EM de Rio Pardo para a utilização, na falta de produto adequado, de água na sanitização de estruturas urbanas da cidade, para a criação de  uma imagem de atuação da prefeitura junto à população.

A execução das medidas judiciais visou fazer cessar os desvios praticados pelos investigados, angariar novas provas para instrução do inquérito policial e demais procedimentos administrativos/civis em andamento, inclusive do TCE/RS e, em especial, promover a descapitalização financeira da organização criminosa, permitindo a recuperação de parte dos valores desviados.

Nome da Operação

O nome da operação guarda relação com o santo da Igreja Católica “SÃO CAMILO DE LELLIS”, intercessor de todos os enfermos e profissionais de saúde, cuja oração traz alívio ao sofrimento dos doentes e estímulo aos profissionais que se dedicam aos cuidados dos enfermos.

*Leonardo Jorge Victor Nascente Ferreira é Auditor Público Externo do Tribunal de Contas do RS (TCE-RS)

   

 

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